Deborah Colker e os bambus de "Sagração".
Deborah Colker e os bambus de "Sagração".DR

Espetáculo de Deborah Colker em Lisboa revisita o Brasil pré-colonial: “Nossa floresta, cores, sons e cheiro”

Em entrevista ao DN Brasil, a coreógrafa e bailarina carioca fala sobre a nova coreografia de A Sagração da Primavera, obra de Stravinsky que chega a Portugal em março.
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O bom humor da bailarina e coreógrafa carioca Deborah Colker é do tamanho de seu entusiasmo de retornar a Portugal em breve. Depois de sua conceituada e premiada companhia de balé esgotar os ingressos para as apresentações em Lisboa na última temporada na qual passou pela capital portuguesa, em 2023, Colker e João Elias, diretor executivo de outras tantas parcerias com a coreógrafa, retornam ao país em março para apresentações inéditas do espetáculo A Sagração

Estas serão as primeiras apresentações do espetáculo fora do Brasil - a estreia nacional foi em março do ano passado. A inspiração, conta Colker, surgiu a partir da obra de um dos maiores compositores do século XX. “Sempre tive o sonho de fazer A Sagração da Primavera, de Stravinsky, era uma missão antiga na minha cabeça, é uma música que foi composta para ser dançada e que tem uma dupla responsabilidade. Ela inaugura, na dança e na música, rupturas e provocações inacreditáveis. E aí eu pensei: quero fazer a minha Sagração, uma Sagração brasileira. Então trouxe a obra para nossa floresta, nossas cores, nossos sons, nosso cheiro”, explica a coreógrafa em entrevista ao DN Brasil.

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O cenário do espetáculo, que terá cinco exibições no Teatro Tivoli, em Lisboa, entre os dias 26 e 30 de março, já traz um pouco - ou muito - da brasilidade da Sagração da Companhia de Dança Deborah Coker: “Só tem bambu, é bambu para tudo quanto é lado. Acho que tem até um aspecto infantil meu nessa escolha, aquela coisa de criança, que quando pega o bambu constrói uma floresta, um barco, uma oca, uma flecha”, diz Colker, que salienta a dificuldade de transportar o material:_

“Tem quatro metros de altura e são, ao todo, 170 bambus. Não é fácil de lidar, bate em tudo quanto é lugar, dá toco no pé, é uma grande arma na verdade, uma árvore, um corpo. Além de ser uma planta muito bonita e de ter essa coisa simbólica de ser a planta da tolerância, e da flexibilidade: enverga, mas não quebra. Estamos indo para aí com a guerrilha do bambu”, brinca Colker.

Com toda a logística dos bambus, João Elias revela que o cenário fica ao todo com um peso de cerca de quatro toneladas. “Nosso material é complexo porque não utilizamos somente como decoração, mas sim como um meio de cena, o próprio material de luz também é complexo, levamos muita coisa. E, como um todo, somos uma companhia grande”, diz o diretor executivo, que além de toda equipe de bastidores, chega a Lisboa com 15 bailarinos para as apresentações de Sagração em março.

João Elias é o diretor executivo da companhia.
João Elias é o diretor executivo da companhia.DR

O Brasil antes de 1500

Em palco, o espetáculo mescla a obra de Stravinsky com o contexto brasileiro pré-colonial. A ideia, segundo Colker, foi seguir a linha do compositor russo que na obra original navega entre o primitivo e o erudito. Ao olhar para como o Brasil poderia ser representado na sua versão do espetáculo, conta ter se aproximado de diferentes cosmovisões e do primitivo brasileiro: os povos originários.

“Queria fazer a Sagração brasileira ao mesmo tempo que queria falar sobre o caminho evolutivo humano. Então fui buscar as cosmovisões indígenas, antes de 1500, passando depois pela cosmovisão judaico-cristã, e, principalmente, a darwinista. Então é uma Sagração que respeita e obedece o Stravinsky, a ideia de fazer o diálogo entre o erudito e o primitivo e o caminho evolutivo da nossa floresta”, diz a coreógrafa, antes de refletir sobre a importância de trazer um espetáculo como esse a Portugal: “Já tinha muito Brasil antes deles chegarem”, pontua.

Apesar de ressaltar a problemática da colonização, Deborah Colker rejeita as polêmicas atuais entre Brasil e Portugal e entende que trazer a peça para cá também é uma oportunidade de diálogo entre os dois países irmãos. “É muito legal estar em Portugal. É um país que fala uma língua prima, que temos tantas afinidades e hoje em dia tantas polêmicas… o mundo inteiro atualmente questiona as colonizações, que, na verdade, são ocupações ou invasões que trouxeram muitas tragédias, situações drásticas. Mas a gente precisa saber como discutir, como olhar para essa história de uma maneira correta, real. Acho que a gente tem que parar de bobagem e conversar melhor as coisas”, entende Colker.

Além das cinco apresentações em Lisboa - todas às 21h30 - a Sagração também estará em cartaz em Ílhavo, no centro do país. Por enquanto, estas são as únicas apresentações do mais recente espetáculo da companhia fora do Brasil. Nesta mesma temporada, no entanto, Colker e João Elias trazem para Berlim, na Alemanha, Cão sem Plumas, outro espetáculo de sucesso da companhia. Segundo os dois, apesar da dimensão continental brasileira e de poder rodar pelo país, sair do Brasil é sempre uma oportunidade positiva de atingir e ter contato com outras culturas.

“É bacana ter uma resposta misturada, não só de brasileiros, mas de uma galera portuguesa que é mais de teatro, das artes cênicas ou o pessoal que vai porque conhece novela brasileira, quer ver uma coisa do Brasil. Adoro quando você sente que tem um público misturado, que não é assim uma coisa muito fechada, de nicho, né? Gosto muito de gente, de público”, afirma a coreógrafa.

Vale lembrar que os ingressos para as apresentações de Sagração no Teatro Tivoli, em Lisboa, seguem disponíveis para venda. As entradas estão disponíveis no site da Ticketline, com ingressos que variam entre os €20 e €40. 

nuno.tibirica@dn.pt

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicado à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.

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