Texto: Cristina Fontenele *Ser imigrante parece nos abrir a porta para conversas com desconhecidos e proporcionar contatos que, antes, seríamos mais reticentes em incluir na nossa já traçada rotina. Afinal, conexões são importantes para dar seguimento à vida, seja em outra terra, seja quando queremos mais inspiração. Quantas novas pessoas você conheceu neste último ano? Quantas conversas inesperadas iniciou?Tomar a iniciativa de prosear com alguém em um evento; pedir informação na rua, ser tratado com simpatia e, de repente, contar sobre sua vida a um estranho; reparar no sotaque da pessoa e querer saber mais sobre ela (“Você é do Nordeste? Sim, sou de Alagoas. Ah, que legal, sou do Ceará.”); tentar encontrar similaridades nas vivências para deixar o riso invadir uma conversa despretensiosa nos transportes. São muitas as oportunidades de se interessar pelo outro e trocar impressões de mundo.No evento mais recente, que participei nesta sexta e sábado, conheci uma riqueza de mulheres - uma angolana que mora há vinte e seis anos em Portugal, uma mineira que vive em Loures com o marido e dois filhos, uma paulistana que veio trabalhar na filial de uma empresa brasileira, outra também de São Paulo que abdicou de doze anos de carreira bancária para acompanhar o marido no novo trabalho em Lisboa e que agora busca se reinventar profissionalmente com mais mobilidade para futuros recomeços. .Clique aqui e siga o canal do DN Brasil no WhatsApp!Cada família, um universo de experiências. Concessões, apostas, desapego, coragem. Histórias de vida nos ensinam muito quando nos abrimos para uma conversa genuína, com escuta empática. É revelador olharmos para o outro com compaixão, respeito e dignidade, sem dividir nossa atenção com os supostos conselhos que daríamos e com as notificações no celular.Estão diante de nós pessoas buscando encontrar seu lugar de força e oportunidades de contribuir a partir dos próprios talentos. São homens e mulheres querendo dar sentido e propósito a seus movimentos e com o direito de estar e existir no mundo.É incomum que alguém queira simplesmente ficar estagnado. A tendência do ser humano é buscar a evolução, por caminhos diferentes de acordo com o passado e ancestralidade. E o imigrante segue essa lógica, chega no novo país com muitos sonhos, desejos de melhoria e cooperação.Mudar de país impulsiona também, entre várias qualidades, a criatividade nas formas de interagir. Há que ser inventivo para romper o medo da rejeição e criar novos laços.Outro dia, no metro, reparei numa senhora que sentou ao lado de um rapaz dentro do vagão. Ela começou um diálogo com um sotaque que, segundo ouvi, não parecia lusófono. O jovem manteve-se quieto, mas foi receptivo. A senhora gesticulava como a refletir sobre a vida, ele concordava com a cabeça, expressando um leve sorriso de canto de boca.Após três estações, a mulher chegou ao destino, com naturalidade estendeu a mão ao jovem e ambos se despediram em um aperto amistoso, demonstrando que acabavam de se conhecer. Diante da virtualidade dos relacionamentos, do receio ao diferente, parece que a antiga arte de conversar ainda é uma sofisticada e moderna tecnologia.*Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho..O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil..Crônica. Missão: encontrar casa para morar.Crônica. Histórias de estação