Crônica. O que as mães dizem quando emigramos?
Texto: Cristina Fontenele*
Depois que migramos para Portugal, o dia dedicado à mãe ganha dupla comemoração. Nas terras lusas, é celebrado no singular, com exclusividade – Dia da Mãe, já no Brasil é festejado no coletivo, com o coração que abraça com generosidade – Dia das Mães. Dois domingos consecutivos para marcar o quanto presença e amor se estendem, mesmo a quilômetros de distância.
Emigrar é também ouvir uma série de recomendações, advertências e até repreensões. E a figura da mãe, com sua sabedoria e visão profética, pode ser uma das vozes mais eloquentes. É aquele conselho que ficará rodando no diálogo interno enquanto vamos fazendo a vida dar certo em outro país.
“Eu te avisei.”
“Pra que ficar aí na dificuldade?”
“Vai passar, meu filho. Amanhã é outro dia.”
“Minha filha, cuidado ao sair de casa!“
“Você chegou até aí, agora enfrente as dificuldades com fé.”
“Não é melhor voltar? Sua casa tá aqui.”
“Você tá comendo direito?”
“Se puder, fique aí mesmo. Aqui está muito difícil.”
Quando decidi vir para Lisboa, minha mãe logo me comparou com meu pai. Disse que eu era mesmo “do mundo” e gostava de andar por aí como ele. “Que coisa!”, exclamou comentando que eu tinha muita coragem e se era o que eu queria, valia tentar. “Qualquer coisa, você volta.”, concluía com pragmatismo.
Quando decidi vir para Lisboa, minha mãe logo me comparou com meu pai. Disse que eu era mesmo “do mundo” e gostava de andar por aí como ele. “Que coisa!”, exclamou comentando que eu tinha muita coragem e se era o que eu queria, valia tentar. “Qualquer coisa, você volta.”, concluía com pragmatismo.
Uma colega paulista, empresária de festas infantis, disse que não vê a mãe há dez anos, mas em 2026 pretende fazer uma surpresa. Ela já migrou duas vezes, vivendo quatro anos na Irlanda, e depois para Portugal, onde reside há oito. Na primeira mudança, a mãe tentou evitar a viagem, devido ao apego com a filha que é a mais velha e pelo medo do desconhecido. “Meus pais são do interior de Minas. Então, para eles, é quase uma coisa absurda sair do país para tentar algo do zero. Mas sempre fui muito aventureira na minha vida. Se acho que vai dar certo, vou e faço.”, explica.
A empresária telefona nas duas datas para felicitar a mãe, que agora lida mais tranquila com a situação. “Já na segunda mudança, ela desejou muito boa sorte e falou que eu tinha me tornado uma grande pessoa e ia conseguir conquistar os meus objetivos, que era para eu voltar rápido.”.
Para uma amiga cearense, a mãe sempre dizia (e ainda diz) para ela voltar. No começo, essa amiga interpretou que a mãe não torcia a favor da situação. “Voltar pra onde, voltar pra quem?", questionava-se lembrando ter abdicado do emprego estável e da casa estruturada pela vida nova. “Por anos, eu pensei que não tinha para onde voltar. Até que um dia ela foi mais clara: disse que eu sempre terei para onde voltar enquanto ela for viva.”, conta emocionada.
Essa minha amiga percebeu que é preciso mudar a perspectiva de que uma migração somente é bem sucedida se a pessoa permanecer no outro país. Ela trabalha com realocação de brasileiros em Portugal e entende bem os desafios e ponderações que surgem quando uma família decide emigrar. “Hoje eu penso na imigração como penso nos relacionamentos: tem que manter a relação / a imigração se e enquanto for bom. Não sendo, temos sempre pra onde voltar.”.
Há vinte anos morando em Portugal, outra amiga mineira confessa ser extremamente difícil não estar nessa época do ano com sua “rainha”, como chama carinhosamente a mãe. A tristeza só é amenizada porque ela tem quatro filhos e aproveita o dia para estar com eles.
“Minha mãe, como a maioria das mães que se abstém de si para deixar os filhos crescerem, disse-me que sentiria muito a minha falta, mas que eu deveria vir e estar com meu marido e ser feliz.”, relembra a mineira. E, desde então, ela segue os lúcidos conselhos maternos: ser fiel a seus princípios, honesta e nunca mentir, mesmo que doa a si mesma e às pessoas.
Morar tanto tempo em Portugal não estava nos planos de uma colega baiana. Ela veio cursar um doutorado em História e lá se vão doze anos vivendo no país. A viagem foi motivo de alegria e orgulho para a mãe. “Obviamente que a saudade é sempre presente, mas a gente tenta amenizar a distância e eu volto todo ano para o Brasil. É a minha prioridade sempre.”, diz. Mesmo de longe, faz questão de presentear a mãe junto com os irmãos. Às vezes, atrapalha-se com as datas e liga logo no primeiro domingo de maio, em vez de no segundo.
Há também quem não tenha mais a mãe em vida e a data torna-se ainda mais difícil de atravessar. É o caso de uma amiga conterrânea. Comovida, ela recorda as memórias com a mãe - acordar bem cedo para caminhar e ter uma cumplicidade na fé e na coragem.
Neste domingo, minha amiga se deu de presente assistir a um filme que ela e a mãe gostavam - "O Exótico Hotel Marigold". “Assim como no filme, as nossas vidas sempre tiveram esse sentimento de desbravador, um sentimento corajoso de ir em frente. E esse incentivo veio herdado com hábitos do vivenciar. A vida é extraordinária!”, reflete minha amiga.
Passar o Dia da Mãe longe dela reaviva mesmo a saudade, sempre latente. Enquanto imigrantes, vamos descobrindo caminhos para minimizar a melancolia.
Sem perceber, cultivamos afeição por pessoas que inspiram um ar materno. Uma senhora cliente da farmácia, a vizinha que pergunta se vai tudo bem, a atendente das mesas no restaurante perto de casa. “Como vai a vida, querida?”. Basta um comentário gentil para nos desfazermos em ternura.
*Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.