O brasileiro Iva
O brasileiro IvaÁlvaro Isidoro

Brasileiros surfam nas ondas do verão para impulsionar negócios

Pizza, água de coco, geladinho: imigrantes empreendedores aproveitam o bom tempo para aumentar vendas e fazer sucesso em Portugal.
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É difícil encontrar alguém que não goste de uma boa bola de Berlim, o principal - e quase solitário - quitute vendido nas praias portuguesas. Com a grande onda de imigração de brasileiros para a terrinha, no entanto, é cada vez mais comum ver outras comidas e bebidas fazendo sucesso pelos areais daqui. Aliás, é exatamente na época mais quente e movimentada do ano que muitos empreendedores brasileiros veem a oportunidade perfeita para expandir seus negócios.

"É algo que interessa muito aos próprios portugueses e gente de outros países que está por aqui. Quando os estrangeiros vão ao Brasil eles ficam encantados com a quantidade de coisa que vende na praia: é camarão, sorvete, queijo coalho, espetinho, caipirinha, pastel, coxinha... faz todo o sentido trazer essa tradição para cá também", conta o carioca Tiago Silva que, há pouco menos de três meses, abriu uma unidade da sua Borda Brasileira Pizzaria no centro de Setúbal justamente para facilitar as entregas nas praias da região.

O casal de cariocas Tiago Silva e Cintia Oliveira (os primeiros à esquerda), sócios da pizzaria.
O casal de cariocas Tiago Silva e Cintia Oliveira (os primeiros à esquerda), sócios da pizzaria. Arquivo pessoal

No ano passado, uma reportagem do Diário de Notícias já havia explorado o impacto dos brasileiros nos negócios de praia em Portugal. A tendência segue em crescimento e cada vez mais diversa. Apesar de ser uma pizzaria, o restaurante também serve outras especialidades brasileiras, como cachorro quente com recheio caprichado, pastel de feira ou a que tem sido a favorita dos banhistas: a coxinha.

"A coxinha é a campeã de venda na praia. Pizza também estamos vendendo bem, mas a coxinha tem aquela coisa mais prática, é mais um lanche, algo rápido", conta o carioca, ressaltando que o sistema de entregas na praia foi a solução devido à dificuldade para conseguir licenças para vender no areal.

"O jeito foi fazer este esquema de entrega, a pessoa coloca ali no aplicativo em qual praia está, costuma ser ou a Praia da Saúde, ou a do Albarquel ou na Arrábida. Levamos ali até a entrada da areia e o cliente leva para a praia", explica.

Empreendedor em Portugal desde que decidiu abrir a primeira unidade da pizzaria em 2022, Tiago afirma acreditar que, eventualmente, as leis em Portugal serão menos rígidas no que tange a venda de alimentos e bebidas na praia. Especialmente com tanta criatividade de brasileiros por aqui e a curiosidade dos locais.

"Espero que eventualmente a gente veja mais gente com uma térmica vendendo uma bebida, outra vendendo um salgado, um sanduíche natural, ou até mesmo uma bifana. Fazendo certinho, com conservação dela legal, o pessoal vai vender muito e o pessoal na praia vai gostar. Por mais que por enquanto as leis sejam muito severas, acredito que daqui a um tempo eles vão ceder para essa tendência", entende Tiago.

Negócio de verão mudou vida de imigrante

Natural de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, a imigrante Lilian Quintas viu sua vida em Portugal mudar por causa de um quitute típico do verão brasileiro: o geladinho. “Na minha cidade chamam de chup-chup ou sacolé, mas aqui decidi deixar assim para ser mais fácil e prático para entenderem”, diz a brasileira, que desde 2020 é mais conhecida como Lili Geladinhos - nome da marca que criou.

Lilian chegou a Portugal em 2017, num casamento de quase 20 anos, com dois filhos adolescentes. Veio para trabalhar em limpezas e, no início, a vida foi difícil. Em 2019, foi abandonada pelo marido e teve de se sustentar sozinha com os filhos.

A pandemia piorou tudo: clientes cancelaram serviços e a renda caiu drasticamente. Até que, com 48 euros conseguidos numa faxina extra, decidiu comprar matéria-prima para os primeiros geladinhos - dois sabores de frutas naturais e dois cremosos - e anunciou num grupo de WhatsApp.

“Conversei com os meus filhos: ou voltávamos para o Brasil, ou tentávamos vender os gelados”, conta. Com o isopor nas mãos, eles começaram a bater de porta em porta e vender a amigos, colegas do autocarro, vizinhos. O boca a boca fez o resto. “No dia que voltou das vendas, meu filho disse ‘mãe, isso vende mais que droga’, dei tanta risada, chorei de emoção”, lembra.

O verão foi fundamental para que a marca ganhasse força. “É só o sol aparecer que muita gente lembra da Lili”, diz. Hoje, já com licença para vender nas praias - um feito inédito para uma brasileira, segundo ela -, a Lili Geladinhos conta com mais de 30 pontos de revenda em Portugal, linhas de produtos artesanais com frutas, whey protein, petiscos para cães e até versões alcoólicas.

Lilian também exporta para outros países europeus, trabalha em eventos, festas, feiras e prepara a abertura da primeira loja própria ainda este ano, em Almada, com um conceito de self-service de geladinhos.

O foco, conta, não é apenas matar a saudade dos brasileiros: “Os portugueses aderiram muito bem, gostam porque não tem conservantes, nem açúcar, é saudável, dá até para bebê de seis meses”. No verão, os favoritos aparecem: “Leite Ninho com Nutella e melancia são os campeões de venda”, afirma.

Lilian conta que a história de superação transformou também sua forma de se ver como imigrante em Portugal. “Sou realizada. O que fala mais por mim são os meus resultados. E nunca deixo ninguém interferir nos meus sonhos. Sonhar e não colocar nada em prática não vale a pena”, resume.

Experiência tropical

Outra marca que vem surfando no calor português é a Kocoalot, criada pelo brasileiro Ivan Lima e gerida com a portuguesa Margarida Matos. Vendendo água de coco natural em eventos, pontos turísticos e feiras, eles apostam na experiência sensorial como diferencial - especialmente no verão, é claro.

Este ano, apesar de um revés no início da temporada, quando a tempestade Martinho destruiu o quiosque fixo da marca na Casa da Guia, em Cascais, a dupla reagiu rápido. Mantiveram a presença no mercado de fim de semana no mesmo espaço, abriram um novo ponto no Jardim Zoológico de Lisboa até outubro para aproveitar o calor e intensificaram os eventos na região.

“A sazonalidade é a maior fraqueza do negócio, claro, mas a água de coco pode ser consumida o ano todo. Mas sem dúvida o verão é a oportunidade para as pessoas conhecerem e se apaixonarem pela experiência, combina demais com essa época”, diz Margarida.

A marca também aposta em parcerias com outras empresas e desenvolve um serviço de subscrição para delivery semanal em casa. Tudo para “que qualquer pessoa que queira beber água de coco não tenha de ir a países tropicais para isso”, como diz a empresária, que ultimamente também tem apostado na participação em casamentos, festas de aniversário e mais eventos corporativos.

O negócio faz a alegria tanto de quem cresceu no Brasil bebendo água de coco, quanto de quem só conhece de ouvir falar. “Muitos nos dizem que tem ‘gosto de casa’. Muitos brasileiros não podem voltar para casa sempre, então levamos um bocadinho de casa até eles”, conta. Entre os portugueses e turistas, a bebida também faz sucesso. “Todo mundo acha que vai ter um sabor muito intenso, mas quando provam percebem que é refrescante, leve”, diz.

No fim das contas, o verão não só garante as vendas de Margarida, Tiago e Lili e milhares de brasileiros, ajudando a solidificar os negócios, como também reforça o laço afetivo com as raízes brasileiras. Para os empreendedores espalhados nas imediações - ou nos - areais de Portugal, é mais do que a estação mais lucrativa do ano: é a oportunidade de conquistar clientes e manter viva, em cada entrega, um pedacinho de Brasil.

nuno.tibirica@dn.pt

Este texto está na edição impressa do Diário de Notícias desta segunda-feira, 14 de julho de 2025.
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