“Ataque pessoal e paranóia”. Meme da “Guiana brasileira” desperta fúria em Portugal
Basta abrir qualquer rede social que os vários memes da “Guiana Brasileira” estará lá. Diferente de outras ondas de memes, esse não perdeu força com o passar dos dias. Assim como as imagens e piadas continuam, também continuam as trocas de insulto online. A piada não passou ao lado, para usar um ditado português, dos grupos de ódio que atuam online em Portugal. Mas porque será que piadas viraram ataques pessoais?
O psicólogo português Pedro Ferreira Alves, com doutorado na área, tem algumas hipóteses. “Aquilo que é uma brincadeira foi sentida como uma paranoia de uma invasão ou uma paranoia da perseguição”, avalia o profissional. E quem nada tem a ver com esta guerra de memes pode levar com a repercussão negativa, num ambiente já contaminado com a polarização política, o falso rótulo da imigração relacionada com criminalidade e mesmo casos reais, como do brasileiro acusado de assassinar um jovem português em Braga recentemente.
”Não me espanta que o brasileiro comum, que não tem nada a ver com este ping-pong de piadas provocatórias entre grupos portugueses e brasileiros, o brasileiro que não tem nada a ver com isto, que vá sofrer com a generalização por parte de outros portugueses”, explica o psicólogo.
Na visão do especialista, esta é uma reação ao brasileiro que está mais perto, não ao que está literalmente milhares de quilômetros de distância fazendo piadas no Brasil com o celular na mão. “Como não podem estes portugueses atacar ou responder ao grupo que criou originalmente a piada, atacam os seus semelhantes, digamos assim, os que partilham a mesma identidade”, analisa Pedro Ferreira Alves.
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O especialista diz não ter dúvidas que a brincadeira tenha escalado por causa da internet. “Se o bullying antes do telemóvel ficava ali num ambiente de trabalho ou num ambiente de escola, com o uso do telemóvel foi ultrapassado essas marcas físicas das paredes, levamos connosco no bolso o bullying para casa ou para qualquer outro sítio que queremos ir, ficou sem fronteiras”, analisa.
Mas há outro fator que leva em conta: na forma de ser do brasileiro, que não perde sua identidade ao mudar para Portugal e está em cada vez mais espaços distintos. “Os brasileiros, lentamente, foram introduzindo e foram apresentando a sua cultura à cultura portuguesa e os portugueses, lenta e gradualmente, vêm, e ainda bem, vêm-se apropriar daquilo que também é vosso. E esta apropriação ameaça aquelas pessoas que resistem muito à mudança ou aquelas pessoas que não se conseguem adaptar à multiculturalidade ou à diversidade dos comportamentos humanos”, argumenta.
Também incomoda a alguns portugueses, que reagem de maneira raivosa ao memes e até mesmo na vida real, a maneira de ser do brasileiro. “Vocês, brasileiros, com uma autoestima e um orgulho na própria língua, um orgulho na própria música, um orgulho no próprio, aliás, no próprio humor, um orgulho no próprio cinema, na literatura (...) E os portugueses gostam da vossa felicidade e invejam a vossa felicidade. Outro grupo de portugueses invejosos porque não se conseguem adaptar a novos modos, a novos guiões de comportamento, eles só têm uma forma de reagir, que é atacar”, reflete.
E como resolver? Para o psicólogo, a chave é a economia. “É a a economia que vai definindo, que é uma mais valia esta riqueza natural, esta riqueza cultural, do que esta ideia monocromática de um país. Nova Iorque é Nova Iorque pela diversidade cultural”, explica.
Já o especialista em mídias digitais Lucas de Freitas, que vive em “Braguil” (Braga), analisa que a situação mostra a necessidade de integração. “O brasileiro e o português têm muita riqueza a produzirem em conjunto, mas enquanto forem estranhos dividindo um mesmo teto sem qualquer incentivo para interação ou integração, o lapso e as diferenças só aumentarão”, conta o imigrante, que está ajudando a fazer o plano para a juventude de Braga. Enquanto isso, na internet, os memes continuam com milhões de visualizações e a população brasileira em Portugal também segue aumentando.
amanda.lima@dn.pt
Este texto está na edição impressa do Diário de Notícias desta segunda-feira, 05 de maio de 2025.