Yamandu Costa em Lisboa: "É lindo ver meus filhos crescerem em um ambiente multicultural"
Artista gaúcho vive em Portugal desde 2019. Embebeu-se em Lisboa não apenas da cultura portuguesa, mas também de lugares como Nepal, Índia, Cabo Verde e Moçambique.
Entrevista: Nuno Tibiriçá
O brasileiro Yamandu Costa tem 44 anos e é um dos maiores virtuoses do mundo no violão de sete cordas - o instrumento é utilizado na música de vários países, entre eles Brasil, México e Rússia. Vive em Portugal desde 2019. Embebeu-se em Lisboa não apenas da cultura portuguesa, mas também de lugares como Nepal, Índia, Cabo Verde e Moçambique e diz que não pretende deixar Portugal pelos próximos 10 anos. A seguir, os principais trechos da entrevista ao DN Brasil.
Quando e por que resolveu sair do Brasil?
Decidi vir para cá em 2017. Naquele ano fiz 15 viagens para Europa, a minha carreira começou a se desenvolver mais aqui. E começou a ficar muito cansativo, estava difícil encontrar os filhos. Então, comecei a pensar: chegando nos 40 anos e com a carreira no Brasil um pouco estagnada, num patamar legal, mas fazendo as mesmas coisas, era a hora de buscar novos nichos. Além disso, o Brasil estava caminhando para essa loucura da extrema direita. Vendo o que estava prestes a acontecer no Brasil, politicamente, pensei: “Eu tenho que dar uma chance para as minhas crianças saírem um pouco da bolha.” O Brasil é um país em que você cria ou playboys ou favelados. Não existe um equilíbrio. É brutal.
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E por que escolheu Portugal?
Primeiro fui para Barcelona. Era um lugar que me interessava, mas achei um pouco pesado o ambiente, com a questão da Catalunha. Quando cheguei em Portugal, encontrei o Brasil dentro de Portugal. Mas não encontrei só o Brasil. Encontrei a Índia, encontrei o Nepal, encontrei a África. Eu encontrei um país pequenino, bem pequenino, cheio de multiculturalidades e muito bem localizado, muito bem colocado estrategicamente no mapa, dentro do meu ponto de vista, maravilhoso.
Qual a diferença entre construir uma carreira artística no Brasil e em Portugal?
A diferença é enorme pelo tamanho das coisas. Portugal é um país muito pequeno. Quando coloquei Portugal no meu radar, nunca pensei em viver de concertos daqui, de nada. Para mim sempre foi um lugar estratégico, de ter passagem para outros lugares. Tanto que o sonho dos artistas portugueses é conseguir conquistar outros mercados, aqui não tem demanda suficiente. A gente está falando de um país do tamanho do estado brasileiro do Espírito Santo.
Por que o Brasil consome tão pouco da música portuguesa e da cultura em geral? Para muitos brasileiros, a música portuguesa é fado.
O fado é um outro tempo e um outro sentimento. É uma melancolia que o brasileiro acha baixo astral, também tem a coisa do idioma - não parece, mas são idiomas totalmente diferentes. O português pensa de um jeito e a gente pensa de outro. São dois mundos. Já cansei de levar visitantes brasileiros que chegam na minha casa para ouvir fado e as pessoas acham muito depressivo. “Meu Deus, mas como esse povo sofre e tal.” E eu acho lindo, sou apaixonado pela cultura do fado, pelas letras, as poesias.
E no Brasil não chegam os principais nomes. Sérgio Godinho, Fausto…
O Brasil não conhece a música latino-americana, muito menos a portuguesa. O nosso português se desenvolveu e criou a sua própria coisa. Nós temos tudo lá. Nós temos de Tom Jobim a música brega, então é um mercado que, de alguma maneira, se basta. O Brasil consome mais o mainstream mesmo, que vem de cima para baixo com a música pop. Agora, quando se trata dessa escolha mais sentimental, as pessoas conhecem muito pouco. O brasileiro é um povo muito limitado nesse aspecto. Essa percepção do voyeur que o japonês tem exageradamente, que o francês tem, de mesmo não entendendo, querer ouvir coisas de outros lugares. As pessoas têm essa curiosidade. O Brasil não tem isso.
Como vê o momento político em Portugal?
É um pesadelo o que o mundo está passando, de um modo geral. Aqui em Portugal, na Argentina… acho que vai servir para aprender muita coisa, mas não precisava ser a um preço tão alto. Essas mudanças tecnológicas são a comprovação que o pensamento conservador já teve êxito. O crescimento da Glovo, do Uber, da Amazon… todas essas coisas já são a certeza que esse novo modelo convenceu quem não entendeu que está trabalhando para o diabo. O momento do mundo é a cara do resultado das últimas eleições em Portugal. O crescimento da extrema-direita aqui e em outros lugares dá um aperto no coração. E a gente que trabalha com música cada vez mais tem que ficar se posicionando, também é desgastante. São muitas agressões e a gente vai ficando cada vez mais receoso de ficar falando de política.
Pensa em voltar para o Brasil?
Pelos próximos 10 anos, não. Ter Lisboa como base foi uma decisão mais que acertada. Portugal é o país europeu mais perto do Brasil e é o país que mais tem Brasil aqui dentro. Então eu não sinto saudades. Quando eu quero, eu tenho uma roda de choro, uma roda de samba, forró, eu tenho o mundo indiano, africano aqui também. Eu tenho o mundo respirando aqui, numa cidadezinha pequena que não tem trânsito. Lisboa é um lugar funcional que você consegue viver com relativa facilidade.
dnbrasil@dn.pt
Este texto está na edição impressa do DN Brasil de segunda-feira (4), junto com o Diário de Notícias.