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Viver em Portugal é sinônimo de resistência para parte dos brasileiros
Fila de imigrantes em frente à Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA), em Lisboa. Foto: Reinaldo Rodrigues / Global Imagens

Viver em Portugal é sinônimo de resistência para parte dos brasileiros

Nem todos os imigrantes que chegam ao país encontram um paraíso: há quem seja confrontado com falta de oportunidades profissionais, salários baixos, divisão de casa com várias pessoas e xenofobia.

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por DN Brasil

Texto: Nuno Tibiriçá

Muitos brasileiros que decidem iniciar uma nova jornada em Portugal se deparam com desafios: burocracia complexa, regras que mudam a cada momento, escassez de oportunidades profissionais, salários baixos e xenofobia. Em meio a essas adversidades, um dos primeiros e maiores desafios é encontrar moradia.

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), em Lisboa e no Porto, as duas maiores cidades do país, o valor do metro quadrado aumentou em 50% nos últimos cinco anos. A capital portuguesa é atualmente uma das cidades mais caras da Europa em termos de habitação. O aluguel, chamado de renda, se encontra na faixa dos €21 euros por metro quadrado em Lisboa, contra os 17 euros por metro quadrado de Madrid, por exemplo - sendo que a Espanha possui ainda um salário mínimo €300 euros maior que o de Portugal: €1.050 euros dos espanhóis contra €820 euros dos portugueses.

Num país em que muitas vezes alugar um pequeno quarto significa abrir mão de mais da metade do ordenado mensal já existem brasileiros morando na rua, mesmo empregados. Segundo dados da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA), em dezembro de 2022 estava perto de 11 mil o número de pessoas em situação de rua em Portugal. Destas, 10% eram brasileiras, ou seja, aproximadamente 1.100 brasileiros que atravessaram o Atlântico em busca de uma vida melhor, se encontram sem-teto. A mesma estatística apontava uma redução no total de sem abrigo em três anos. Não há números mais recentes disponíveis.

Com o preço dos imóveis, alugar casa é uma realidade dura, qualquer seja a nacionalidade da pessoa à procura de onde viver. No caso dos brasileiros, no entanto, a dificuldade é acentuada pelo preconceito de muitos proprietários, os chamados senhorios.

“Por vezes se negam a receber brasileiros ao ouvir o sotaque na ligação por telefone. Ou aceitam, mas pedem fiador português e três, quatro ou cinco cauções por motivos de pura desconfiança. Isso para alugar um quarto, não só uma casa”, conta Talita Borges, 27 anos, que trocou São Paulo por Lisboa em 2018.

Se conseguir casa é uma tarefa laboriosa, lidar com a burocracia portuguesa é igualmente desafiador. Embora o Governo tenha feito movimentos para facilitar a integração de imigrantes advindos dos países de língua portuguesa com a criação da Autorização de Residência CPLP e a validação das carteiras de motorista, os órgãos públicos ainda pecam perante tanta demanda. Em 2023, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) tinha pendências com mais de 200 mil imigrantes, a maioria brasileiros. A troca para a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) parece ter trazido mais problemas do que soluções para os imigrantes, até o momento. Processos perdidos na transição, demora na emissão de documentos e uma dificuldade ainda maior para conseguir a marcação de atendimento são alguns dos constrangimentos enfrentados, junto com 400 mil processos pendentes.

Vindo dos mais diversos lugares do mundo e, por vezes, sem os documentos necessários pela demora dos serviços públicos, os imigrantes têm reduzido ou suprimido o direito de ir e vir. Não podem regressar para visitar as famílias, com medo de serem barrados no retorno a Portugal. Os que dispõem do visto CPLP não podem nem mesmo circular pelo Espaço Schengen atualmente.

Além de dores de cabeça no setor imobiliário e no processo burocrático português, outras duas barreiras impõem dificuldades para os brasileiros que aqui chegam: a xenofobia e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho.

“É difícil lidar com pessoas que te odeiam”

Segundo dados da Comissão para Igualdade e contra a Discriminação Racial, as denúncias de casos de discriminação em Portugal cresceram 505% entre 2018 e 2023.

Nascida em São Paulo, Luiza Villena, 29 anos, não demorou muito para perceber que ser mulher e brasileira em Portugal era mais complicado do que imaginava e envolve uma rotina que, por vezes, “beira a humilhação”.

Descendente de espanhóis, teve a vantagem de chegar ao país já com a cidadania europeia. O documento em mãos permitiu a Luiza driblar grande parte da burocracia portuguesa, mas não a xenofobia. Pouco menos de um ano após se mudar para Lisboa, teve seu primeiro episódio traumático em Portugal. “Estava na varanda da casa de uma amiga, era noite, por volta das 22h. Ela mora no primeiro andar e estávamos ali conversando, quando sinto algo espirrando na minha cara. Pisco os olhos e, quando abro, minha amiga estava coberta de iogurte e eu também toda suja. No chão da rua, um pote daqueles grandes. Olhamos para cima e nada, mas ficamos indignadas e começamos a bater às portas atrás dos responsáveis”, conta. Nenhum vizinho atendeu Luiza e seus amigos.

No dia seguinte, quando acordou, sua amiga se deparou com um papel sob a porta. O conteúdo? Um recado para as brasileiras, que, segundo o remetente, eram “porcas” e não eram bem-vindas ali, chegando a Portugal “para ou se prostituir ou roubar trabalho dos portugueses”. Palavras de ordem como “voltem para vossa terra”, também constavam na carta da vizinhança do prédio localizado em Campo Grande, em Lisboa. Segundo a jovem, a polícia não quis abrir investigação para descobrir o responsável. “O policial disse ‘aqui é assim mesmo. Se vocês vieram pra cá, vocês têm que saber que vocês vão passar por esse tipo de coisa.’ Fiquei traumatizada, me senti impotente demais. Não estava aqui há tanto tempo então foi logo um choque, uma revolta muito grande”, explica.

Após o episódio, Luiza passou por diversas situações de xenofobia ao longo dos anos, especialmente no trabalho. A paulistana atuou no setor de vendas de empresas estrangeiras, mas foi em empresas portuguesas que passou os piores momentos.

“Sempre que eu conversava com homens no trabalho, podia ser meu amigo do TI, da manutenção, alguém chegava pra mim e falava: “olha, ele é casado, tá?” Mas só pra mim vinham com esse discurso. Se tinha uma outra amiga minha portuguesa conversando com a pessoa, ninguém falava nada”, diz.

A última experiência de trabalho em solo português faz Luiza se questionar se a experiência por aqui vale a pena. “É uma batalha interna que tenho comigo mesmo. Gosto muito de Lisboa, fiz também amigos portugueses nesse tempo, mas me pergunto até que ponto vale a pena, se algum dia vou ter estabilidade emocional aqui, especialmente no trabalho. Talvez se eu tivesse mais condição financeira, já tinha saído. É difícil lidar com pessoas que te odeiam”, desabafa.

Pedras e Sonhos

Foi perto de Castelo dos Sonhos, município no Pará, que Daiane Baú, 34 anos, construiu os seus próprios sonhos. Nascida no sul do estado paraense, cresceu no meio do mato, idealizando, um dia, ser jornalista. “Lá não tinha energia elétrica, não tinha nada. Lembro que a gente tinha um gerador de luz, que meus pais ligavam todas as noites para assistirmos o Jornal Nacional”, diz Daiane.

Alguns anos depois, Daiane se mudou para Curitiba e formou-se em jornalismo. Passou por grandes órgãos de comunicação social, antes de mudar para assessoria de imprensa. Em 2021, chegou a Lisboa para fazer mestrado em Relações Públicas Escola Superior de Comunicação Social na (ESCS) do Instituto Politécnico de Lisboa (IPL).

Trazia consigo experiência em canais brasileiros como Globo e Band e oito anos de Relações Públicas. A ideia era estudar e adentrar o mercado de RP, mas Daiane não conseguiu inserir-se no mercado de trabalho português. “Procurei estágios em todos lugares, mas ninguém nunca me retornava. Das poucas vezes que finalmente cheguei a fazer entrevistas, três me negaram por não conhecer o mercado português”.

No segundo ano do mestrado, Daiane esbarrou no mesmo problema. Após se candidatar a um estágio, perdeu a vaga para outro colega do curso. “Acho que poderiam dar essa oportunidade para quem está disposto a trazer um pouquinho de conhecimento diferente para o mercado deles. Nessa ocasião, perdi a vaga para um colega que não tinha nenhuma experiência no mercado português, assim como eu. Não conheço bem aqui, mas já tenho quase 10 anos de experiência no Brasil. Isso de ser deixada de lado desmotivou muito, chegava em casa arrasada com essas situações” , conta.

Um ano após chegar em Portugal, enquanto terminava os estudos na ESCS, Daiane ainda prestava serviços na área de Relações Públicas para o Brasil. A desvalorização do real ante o euro a fez procurar outras fontes de rendimento. A solução foi empreender de forma criativa, mesmo que fora de sua área de formação e experiência profissional.

“No meio de 2022, estava com essas expectativas todas frustradas e decidi procurar algo que me fizesse feliz. Então, decidi criar a Baú de Afeto, que é uma empresa de cestas de pequenos-almoços e tábuas de frios, algo novo aqui para o mercado de Portugal”, relata.

Se por um lado a carreira na comunicação em Portugal não decolou, o Baú de Afeto de Daiane se tornou um sucesso. O empreendimento já levou Daiane a participar de programas na televisão e, nas redes sociais, reúne milhares de seguidores. Enquanto gere o sucesso do Baú de Afeto, Daiane continua a colaborar com o Brasil, especialmente para portais de entretenimento, como a cobertura do Rock in Rio Lisboa e outros festivais. Mesmo focada no atual empreendimento, ainda nutre com paciência o sonho de, um dia, entrar no mercado da comunicação em Portugal.

“Aqui é tudo mais devagar, você nota isso na burocracia, por exemplo, que às vezes não é só devagar, mas também tem muita má vontade com os brasileiros. Não conseguir trabalho, passar por essas situações… são coisas que te fazem chegar em casa triste, querendo arrumar a mala para ir embora. Mas toda essa experiência me fortifica e me amadurece muito. Apesar de eu não estar no mercado de trabalho na minha área aqui em Portugal, é uma experiência que me faz crescer como pessoa, ter mais empatia pelo outro”, avalia.

Após chegar na Europa com a bagagem cheia de sonhos, os brasileiros e brasileiras mostram que, assim como no Brasil, viver por aqui também é resistir e ultrapassar as pedras que encontram pelo caminho.

nuno.tibirica@dn.pt

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