Vem aí o dia de Santo Antônio: saiba por que Lisboa vira uma festa em junho
Estar em Lisboa em junho é como cair numa espécie de carnaval fora de época. As ruas históricas de bairros como Alfama, Graça e Mouraria se enchem de barracas, bandeirinhas coloridas, sardinhas no pão e muito - muito mesmo - pimba, a música popular portuguesa que domina os arraiais. A cidade se entrega ao espírito dos Santos Populares, uma tradição que mistura elementos católicos, rituais pagãos e cultura de bairro.
A principal estrela da festa na capital é Santo Antônio, celebrado no dia 13 de junho e motivo de uma grande festa no dia na cidade no dia anterior, ou seja, já nesta quinta-feira (12). Mas o mês todo é uma grande maratona de comemorações que se espalham por Portugal, com destaque também para São João, no Porto, e São Pedro, nos Açores mais adiante.
Para os brasileiros, acostumados com fogueiras, quentão e sanfona, trata-se de uma versão bastante distinta - embora igualmente animada - das tradicionais festas juninas.
De tradição pagã a arraial religioso
As festas de junho têm raízes antigas. Antes mesmo da Igreja Católica se apropriar das datas, os portugueses já celebravam o solstício de verão com rituais que invocavam fartura, fertilidade e boas colheitas. A partir do século XVIII, a Igreja inseriu os santos católicos nas festividades, consolidando as datas de Santo Antônio (13), São João (24) e São Pedro (29) como marcos do calendário popular.
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Hoje, essas festas mantêm muito da energia das celebrações originais: são ruidosas, populares, com música alta, comidas típicas e ruas decoradas. Os santos funcionam quase como pretexto para a celebração da comunidade.
Em Lisboa, o mês de junho é sinônimo de Santo Antônio - o santo casamenteiro, nascido na própria cidade. O dia 13 de junho é feriado municipal e marca o ponto alto da programação, mas a folia toma conta da cidade desde o início do mês.
A tradição mais emblemática são as marchas populares, desfiles realizados na Avenida da Liberdade com representantes de vários bairros competindo com coreografias, músicas e figurinos. Fora das avenidas, as ruas e becos das zonas antigas se transformam em arraiais com grelhadores na calçada e mesas comunitárias onde reinam a sardinha assada, os chouriços e o vinho verde.
E é claro, os manjericos, pequenos vasos de manjericão-anão vendidos em toda parte com quadrinhas populares coladas em palitos, são trocados entre casais e apaixonados como símbolo de sorte no amor.
Apesar da origem comum, as festas juninas brasileiras e os Santos Populares portugueses têm diferenças marcantes. A primeira - e talvez mais decisiva - é a época do ano. No Brasil, junho marca o inverno.
No sul e sudeste do país, as festas acontecem no frio, com direito a fogueira e bebidas quentes como o tradicional quentão. Em Portugal, a celebração acontece no começo do verão e o clima influencia tudo: das roupas às comidas e bebidas.
Por aqui, o que não pode faltar é cerveja bem gelada, vinho branco ou verde, ginjinha (licor de cereja) e sangria. Na grelha, sardinhas, febras, chouriços e bifanas. Já no Brasil, o cardápio é vasto e muda bastante de região para região: tem milho verde, pamonha, canjica, baião de dois, cuscuz, arroz doce, pé de moleque e muito mais.
A trilha sonora também muda de país para país. No Brasil, o som da sanfona é onipresente: é forró, xote, sertanejo. Em Portugal, o ritmo dos arraiais é ditado pelo pimba, um gênero musical popular, irreverente e, muitas vezes, com letras de duplo sentido. Os nomes mais conhecidos são Quim Barreiros, Ágata e Toy.
As danças também têm diferenças: no Brasil, a quadrilha é uma encenação quase teatral, com "noivos caipiras", "padres" e gritos como "olha a cobra!" ou "é mentira!". Em Portugal, os bailes são mais simples, com casais dançando agarradinhos nos largos dos bairros.
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Depois de Santo Antônio, é a vez de São João, comemorado em 24 de junho, principalmente na cidade do Porto. A festa é tão intensa quanto a lisboeta e tem como tradição principal o uso de martelinhos de plástico - com os quais os foliões “abençoam” uns aos outros com pancadinhas leves na cabeça.
À meia-noite, balões sobem ao céu e há queima de fogos. A sardinha continua no centro das atenções, mas a celebração tem identidade própria e uma energia contagiante.
Fechando o mês vem São Pedro, no dia 29. Em cidades como Sintra e Ponta Delgada (Açores), a data também é celebrada com música, arraiais e festividades que mantêm viva a tradição até o final de junho.
Seja em Lisboa, no Porto, nos Açores ou mesmo nas pequenas vilas do interior, o que dá charme às festas dos santos populares é o espírito comunitário. São festas organizadas por moradores, com barracas improvisadas e muito envolvimento local. Mesmo assim, atraem turistas do mundo inteiro e se tornaram um dos pontos altos do verão europeu.
Para quem está em Portugal durante o mês de junho, vale sair de casa, andar pelas ruas, seguir o cheiro da grelha e se deixar levar pelo som do pimba e pelas cores dos arraiais. Mas se não gosta muito de confusão, melhor, quando em Lisboa, escolher outro dia que não a véspera de Santo Antônio para curtir os santos, afinal, é a noite mais movimentada do ano.
No dia 12, o difícil é não encontrar festa. Graça, Penha de França, Arroios, Ajuda, Carnide, Benfica, Mouraria, Alfama, Santos, Belém... Lisboa inteira se transforma em arraial. Aliás, a jornalista Sofia Fonseca, do Diário de Notícias, reuniu alguns dos melhores nesta reportagem. Vale conferir.
nuno.tibirica@dn.pt