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Idioma original ou só mais uma variante: afinal, o que é o português europeu?
Arte: Rui Leitão.

Idioma original ou só mais uma variante: afinal, o que é o português europeu?

Fonoaudiólogas obrigadas a comprovar “domínio do português europeu”. Aluna orientada a sessões com psicóloga para ser “reeducada” no português. São várias as situações em que a forma como brasileiros falam são colocadas em xeque. O DN Brasil traz algumas visões sobre o tema.

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por DN Brasil

Texto: Caroline Ribeiro e Amanda Lima

Letícia e Lucas, pais de H., de 9 anos, foram surpreendidos com um e-mail  do colégio privado em que a filha estuda. O comunicado pedia autorização para a criança frequentar uma psicóloga e passar por aulas de “reeducação da leitura e da escrita portuguesa”. A instituição ainda recomendava que H., “no contexto familiar, deverá ser exposta com maior frequência à língua portuguesa, de modo a se familiarizar com os fonemas da língua”. A criança e os pais são brasileiros, ou seja: são falantes nativos da língua portuguesa.

Ao DN Brasil, a mãe da menina conta que  a família também foi orientada pela escola a reduzir o contato com músicas brasileiras em casa. “Eu disse que seria praticamente impossível, já que eu e o pai dela falamos o português do Brasil e escutamos músicas brasileiras”, diz Letícia, que considera a atitude da escola “uma violência simbólica”, que abalou a filha e toda a família.

Contactado pelo DN, o colégio em causa "repudia" que tenha dado orientações no sentido de ser menos exposta à variante brasileira do português. “O colégio e os seus colaboradores respeitam a individualidade quer linguística, quer cultural, pelo que não nos revemos, mas antes repudiamos, a declaração ‘foi orientada a ser menos exposta ao idioma nativo (português do Brasil)’, pois, para nós, a essência e identidade de cada aluno é respeitada, valorizada e transparentemente transmitida como valor a todos os restantes alunos.”

Os pais decidiram retirar a menina do colégio por sentirem “que o ambiente era hostil para H.” Letícia consolou a filha. “Ela relatou estar chateada e triste por precisar mudar de escola devido à questão da língua e me questionou: mãe, mas eu falo português”, destaca a brasileira.

O colégio explicou ainda a necessidade de “reeducação da leitura e da escrita em língua portuguesa”. “Quando um aluno apresenta muitas dificuldades de aprendizagem em português que é ministrado nas escolas em Portugal, designadamente erros ortográficos, dificuldades na construção frásica, é solicitado que seja familiarizado, com maior frequência, com a língua em questão: português em vigor nas escolas portuguesas. Assim, será enfatizada a familiarização com os fonemas próprios,bem como, construções sintáticas e morfológicas”. Mas sublinha que quaisquer medidas a aplicar “apenas são implementadas após discussão e aval dos pais/Encarregados de Educação, a quem compete o dever de zelar pela educação dos seus educandos, ouvidos, como julgamos ser natural, os técnicos de educação”.

A questão “português europeu x português brasileiro” surge com frequência em relatos feitos ao DN Brasil. Profissionais brasileiros não são contratados em determinados empregos por “não falarem português de Portugal”. A situação das fonoaudiólogas, por exemplo, se arrasta há anos. As brasileiras enfrentam dificuldade porque o órgão competente para a habilitação como terapeutas da fala, uma das profissões equivalentes, alega “falta de domínio no português europeu” como principal justificativa para as negativas dos processos.

O termo

A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) exige que os candidatos à habilitação como terapeutas da fala que fizeram graduação fora de Portugal façam uma prova de “domínio do português europeu”.

Quem tem competência para aplicar exames de proficiência de idiomas são entidades ligadas ao estudo da língua. Em Portugal, por exemplo, o exame é realizado pelo Centro de Avaliação e Certificação de Português Língua Estrangeira - CAPLE, unidade da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. No entanto, os exames são “unicamente destinados a cidadãos estrangeiros”, conforme explica o Instituto Camões em seu site. Nem o CAPLE, nem outro centro de línguas permite que as fonoaudiólogas façam as provas, por um simples motivo: elas já têm o português como língua materna.

O idioma oficial de Portugal está definido na Constituição da República Portuguesa, no ponto 3 do artigo 11.º: “A língua oficial é o Português.” Não se fala, na Constituição, em português europeu. Na Declaração Constitutiva da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), os Estados-membros são definidos como territórios que “constituem um espaço geograficamente descontínuo mas identificado pelo idioma comum”. Pelos estatutos do bloco, os países devem atuar pela “promoção e difusão da Língua Portuguesa” de forma unificada. Não há sinalizações oficiais nos documentos sobre o “português europeu”.

Recuando um pouco no tempo, foi em meados do século XIV que o Infante Dom Pedro, um príncipe muito culto e viajado, traduziu o Livro dos Ofícios, do célebre pensador romano Cícero, para a língua que, até então, não tinha nome, era conhecida apenas como “a língua da corte”. No prefácio de sua versão traduzida, o Infante escreveu que o texto estava “em português”. Até ao momento, esta é a referência mais antiga de que se tem notícia sobre a existência do idioma de maneira formal.

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Hoje, seis séculos depois da “criação” do príncipe, e no ano em que é comemorado o 5º centenário de nascimento daquele que se tornou o maior expoente da literatura do nosso idioma, Luís de Camões, a língua portuguesa continua com o mesmo nome, mas mudou, em inúmeros aspectos, e segue mudando.

Se o Infante batizou o português, a área de estudos linguísticos deu os sobrenomes. “Português europeu é um termo que vem do lado mais técnico, mais linguístico, para descrever um conjunto de hábitos padronizados que divergem do português do Brasil, mas que não é um termo oficial”, explica ao DN Brasil Marco Franco Neves, professor no Departamento de Línguas, Culturas e Literaturas Modernas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa.

O termo começou a ser utilizado nos séculos XIX e XX, “depois de se perceber que o Brasil tinha um português que era ligeiramente diferente, mas continuava a ser português”, diz Neves, que é também investigador e autor de livros sobre a História da Língua. Neves explica que o padrão do português europeu como definição linguística também inclui a língua falada nos países africanos, “que é bastante diferente”, e “abrange uma variedade muito grande de sotaques, de formas de falar, de uma grande diversidade interna. Tem este tal padrão que, como eu disse, foi desenvolvido ao longo dos últimos dois séculos, mas que também está muito próximo do padrão brasileiro, por isso, considero impreciso”.

O professor destaca que o padrão adotado “existe no âmbito daquilo que os linguistas chamam de ‘uma língua pluricêntrica’, que quer dizer que é uma língua que tem dois ou mais padrões”, mas que não existe oficialmente.

“Eu posso pegar um texto em galego e dar a um notário em Portugal, traduzo, e ele põe lá que é uma tradução. Ele diz português, não vai dizer português europeu. Se eu pegar um texto em português do Brasil e quiser traduzir para o português europeu, não posso, não há nenhum notário que vá [fazê-lo], porque o português europeu não é uma língua reconhecida oficialmente”, completa.

Um outro olhar para esta reflexão é o de quem já considera que, embora não existam oficialmente, o português europeu e o brasileiro já se separaram. Uma forma comum de se referir às diferenças entre os países é citar as “variantes” do português, termo que o linguista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Marcos Bagno considera que “não cabe” na análise.

Marcos Bagno, da Unb, e Marco Franco Neves, da FCSH.

“Sou partidário, como diversas outras pessoas, da ideia de que português europeu e português brasileiro já são duas línguas diferentes, embora, claro, muito próximas. As diferenças fonéticas e gramaticais são grandes o suficiente para sustentar essa ideia. A escrita não deve nos iludir, porque a escrita não é a língua: a língua de fato é a grande diversidade de falas que existem na comunidade”, afirma.

Pode ser exigido?

Se existem correntes de estudo que já validam a separação das línguas, então será que é possível, apenas por isso, exigir-se “fluência” no português europeu? De acordo com a constitucionalista portuguesa Teresa Violante, a situação parece “uma incoerência regulatória”.

“Não afasto a necessidade de uma certificação para o exercício de profissões relacionadas com a língua, mas exigir-se um certificado de proficiência em ‘português europeu’ a alguém que é nativo na língua portuguesa é incoerente com o estatuto reconhecido pela Constituição à língua portuguesa, que não habilita essa diferenciação”, explica ao DN Brasil.

Tomando como exemplo o cenário em outros países que partilham uma língua oficial, o exame TOEFL confere proficiência em inglês e é exigido pelos Estados Unidos em diversas situações, como no âmbito acadêmico ou profissional, para quem estudou fora do país. Será que um australiano, que também é nativo do idioma, pode fazer o teste?

O Instituto Fullbright, que coordena a aplicação do exame, diz que sim. “Que tenhamos conhecimento um cidadão de um país de língua inglesa pode realizar o exame. Pode por exemplo um cidadão australiano ter estudado numa escola cujo ensino não seja em inglês e ter de fazer prova do nível de inglês para efeitos de candidatura”, explica ao DN Brasil Dorian Rosca, conselheiro do instituto.

A abordagem ao TOEFL vai ao encontro da análise do linguista Marcos Bagno. “O nome das línguas não deve nos enganar. Existem no mundo línguas completamente diferentes que trazem o mesmo nome - árabe, por exemplo, mas um marroquino não compreende um iraquiano e vice-versa - e também línguas idênticas que têm nomes diferentes. Híndi e urdu, por exemplo”, diz o professor.

Constitucionalista Teresa Violante.

Para a advogada Teresa Violante, a questão-chave é o que está oficialmente definida em Portugal. “A tutela constitucional que é dada à língua portuguesa, na minha opinião, não distingue qualquer variedade nacional”, diz, e avalia que a exigência de fluência no português europeu pode ser, inclusive, “uma situação de discriminação proibida, porque se relaciona com o território de origem das pessoas, o que é expressamente proibido pelo artigo 13.º, n.º 2, da Constituição”.

Questionada, a ACSS, responsável pela habilitação das terapeutas da fala, disse que “a prova de verificação linguística é obrigatória para todos os requerentes de reconhecimento de qualificações profissionais estrangeiras com vista ao exercício da profissão de Terapeuta da Fala, independentemente da nacionalidade e do local de origem das qualificações”.

O DN Brasil tentou diversos contatos por e-mail e telefone com o Instituto Camões, por e-mail também com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, pasta que tutela o instituto e as ações de cooperação e de promoção internacional da língua portuguesa, mas não obteve nenhuma resposta.

caroline.ribeiro@dn.pt

amanda.lima@dn.pt


Este texto está publicado na edição impressa do Diário de Notícias desta segunda-feira (25).

  • Notícia atualizada às 11h57 de 25 de novembro. O colégio em causa repudia que tenha recomendado aos pais que minimizassem o contacto com a variante brasileira do português. Porém, por lapso de edição, na primeira versão do texto esta posição da escola foi inserida numa sequência errada, dando a entender que a instituição desmentia a recomendação para a criança ficar mais exposta ao português falado em Portugal, o que não ocorreu. Pelo lapso, pedimos desculpa aos leitores.

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