Samy, a maranhanse que encontrou uma nova vida em Portugal através das redes sociais
Após enfrentar desafios no início de seu percurso no país, Samy começou a conquistar seguidores no Instagram ao retratar como era a vida enquanto imigrante por aqui.
Texto: Gisele Rech
A história de Samires Silva Nunes, a Samy, dialoga com a de outros tantos brasileiros que vêm a Portugal em busca de uma vida melhor para a família. Em 2018, algum tempo depois de passar pelo trauma de um assalto com seu filho ainda bebê nos braços, a maranhense decidiu embarcar para Portugal. A mudança definitiva foi em novembro daquele ano.
O impulso veio por meio de seu companheiro, Vilhasmar de Jesus Dias, o Willian, que já planejava atravessar o oceano Atlântico para ter uma nova carreira. “Ele foi primeiro e logo conseguiu um trabalho em uma empresa de limpeza, onde depois também fui trabalhar”, diz.
Samy pesquisou sobre o sistema de educação em Portugal, buscando um futuro melhor para o filho. À altura, no Brasil, a brasileira, que já tinha sido casada e se divorciara, vivia em um estúdio e era subgerente em uma loja de tecidos em Valparaíso de Goiás, uma cidade de cerca de 200 mil habitantes, no interior de Goiás. “Quando olhava minha realidade e perspectivas de futuro para o meu filho, pensava cada vez mais na mudança”, recorda.
Os primeiros tempos em Portugal não foram fáceis. Em 2018, o visto de procura de trabalho ainda não existia (foi implementado no final de 2022). Samy decidiu arriscar e entrar como turista, o que não é recomendado. “Fiquei um bom tempo na imigração e tive que garantir, algumas vezes, que não vinha a Portugal para fazer prostituição”, conta.
Com apenas 24 anos, Samy chamou atenção por viajar sozinha. O filho, Enzo, então com quatro anos, ficou no Brasil com o pai e ex-marido de Samy, que tinha alguma resistência em deixá-lo seguir com a mãe. Ficar longe do filho, mesmo temporariamente, enquanto buscava se estabilizar na empresa prestadora de serviço de limpeza, foi o mais duro para Samy. “Não teve um dia que não chorasse de saudades. Mas, precisava juntar dinheiro da passagem para trazê-lo e meios para conseguir o reagrupamento familiar”, relembra.
No primeiro ano, Samy também enfrentou uma rotina intensa de trabalho. Contratada no sistema de recibos verdes, ou seja, como autônoma, a brasileira trabalhava das 8h às 23h, com um intervalo de apenas duas horas entre as jornadas. “Aproveitava esse tempo da pausa para fazer faxina em algumas casas na região da Parede, perto do quartel dos bombeiros, onde eu tinha meu serviço fixo”, destaca.
Nas folgas, aos finais de semana, Samy seguia fazendo faxinas extras, buscando juntar os valores necessários para trazer Enzo. “Foi um ano de muita luta, mas, valeu a pena. Em exatamente um ano de Portugal, consegui trazer o meu filho. Foi a concretização de um sonho”, relembra, emocionada.
Enzo, à época com quatro anos, chegou no início de 2020, pouco antes do começo da pandemia da Covid-19. “Na mesma semana em que ele chegou, conseguimos uma vaga na creche perto de casa (a família vive em Cascais) pelo sistema de coparticipação. Pagávamos 66 euros, com alimentação incluída”, diz. Aliás, a alimentação foi o único problema de adaptação que o filho teve em Portugal. “No Brasil, especialmente onde vivíamos, no Centro-Oeste, não existe o hábito de tomar sopa ou tomar chá com pão. Mas não demorou para que ele entrasse na rotina”, pontua.
No Brasil, Enzo ainda não frequentava a escola, mas, com o apoio da mãe, especialmente na época da pandemia, foi alfabetizado e ficou apto a iniciar os estudos. “Nos indicaram cinco escolas e acabou que Enzo foi inscrito na mais próxima de casa, o que facilitou ainda mais a nossa rotina diária”. Samy diz que o filho foi muito bem recebido na escola, onde convive com colegas estrangeiros de outros países, como Bangladesh, Índia, Ucrânia e, é claro, Portugal. “Ele tem amigos de várias nacionalidades e isso tem sido muito importante para a formação dele. Portugal tem essa multiculturalidade e se aprende muito no dia a dia”.
Samy garante que o filho nunca passou por situações de preconceito ou bullying, mas já presenciou algumas e até interveio em um episódio de racismo. “Um colega insultou o outro e ele defendeu o amigo. Chegou em casa horrorizado”, ressalta.
Percurso
Para ter mais tempo com o filho, Samy largou o trabalho na empresa de limpeza e começou a fazer faxinas em casas particulares. Em uma delas, inclusive, trabalhou como cuidadora de idosos por um tempo.
Na época, as amigas que ficaram no Brasil pediam que a brasileira compartilhasse detalhes de sua rotina em Portugal pelo Instagram. “Elas queriam que eu mostrasse mais das belezas e atrações de Portugal, mas, com a rotina puxada, decidi começar a contar mais da minha realidade na área da limpeza”.
E foi assim que, pouco a pouco, o número de seguidores de Samy cresceu, com muita gente do Brasil e outras tantas pessoas de Portugal. No conteúdo, geralmente postado no formato reels (vídeos), a brasileira também apresenta situações curiosas da vida de imigrante e, cá e lá, dá dicas para quem pretende vir a Portugal.
Além dos mais de 43 mil seguidores, a rede social também trouxe a Samy uma sócia para abrir uma agência de viagens, com foco em passagens aéreas especialmente entre Brasil e Portugal. “A maior parte do público vem para passear e fazer turismo. Mas tem aqueles que estão também buscando uma nova vida por aqui”, salienta.
Segundo filho
Com a possibilidade de fazer trabalho remoto, Samy e Wiliam, que hoje trabalha como técnico de telecomunicações, decidiram aumentar a família. Em julho do ano passado, nasceu Moisés, o segundo bebê da família. “Assim que descobri a gravidez, corri para a unidade de saúde e comecei o acompanhamento. Como utente, já na primeira consulta agendei as demais e recebi os pedidos de análises para toda a gestação”, relembra. No percurso da gestação, Samy acabou por pagar as ecografias, que estavam complicadas de serem marcadas. Já na reta final para trazer Moisés ao mundo, tomou alguns sustos. “Precisei ficar internada duas vezes e tudo foi coberto pela rede pública de saúde”.
Diferente do que aconteceu no Brasil, onde a brasileira fez uma cesariana para parir Enzo, em Portugal Samy preparou-se para dar à luz com parto normal, o mais popular por aqui. “Foi um pouco mais complicado do que esperávamos, pois estavam com dificuldades de tirar o bebê. O processo natural costuma ser auxiliado por enfermeiras, mas tiveram que chamar o médico para tirá-lo”. Foram quase 24 horas de trabalho de parto até Moisés vir ao mundo.
Depois da aflição alguns dias para curar uma icterícia e já com Moisés nos braços, o registo do filho como cidadão português foi rápido. “É a continuidade da nossa família, agora em Portugal”, diz.
Nem mesmo o susto que Moisés deu com apenas três meses, com a necessidade de internamento durante uma semana por conta de uma bronquiolite, tirou o sorriso do rosto de Samy e a certeza de que, por aqui, ela, William e os seus filhos têm um futuro promissor. Em breve, o quarteto deve ir ao Brasil, mas apenas para visitar os parentes.
“Nossa vida, agora, é aqui. Foi a melhor decisão para a família. Faria tudo de novo pelo bem deles. Não ficamos ricos e nem vamos ficar. Trabalhamos muito e temos conseguido viver bem e em segurança. Isso já é o que precisamos para ser feliz”, finaliza.
Este texto está na edição impressa do DN Brasil do mês de outubro, junto com a edição da última segunda-feira no Diário de Notícias.