"Ter resiliência" é a dica da chef brasileira Alessandra Montagne para imigrantes empreendedores

Texto: Amanda Lima

A brasileira Alessandra Montagne, uma das mais renomadas chefs de Paris, nunca pensou no sucesso. Nascida no morro do Vidigal, não começou a vender coxinhas na rua almejando o topo da gastronomia europeia, mas foi isso que aconteceu, mesmo chegando à França sem falar o idioma e sem ter contatos.

Hoje com 46 anos de idade, 25 deles em solo francês, a brasileira é uma das poucas mulheres imigrantes e negras a conquistar o sucesso na alta culinária e no empreendedorismo, com vários restaurantes abertos e mais a caminho. Um deles será no museu Louvre, o mais famoso do mundo. "Resiliência. Ter muita resiliência, muita resiliência e não trabalhar querendo sucesso. Trabalhar primeiro pra pagar as contas, pra pagar os funcionários, evoluir, tentar aprender, continuar estudando e trabalhar muito", diz ao DN Brasil.

A história de Alessandra é parecida com a de muitos imigrantes brasileiros em Portugal e em outros países. "Eu me dei conta de um tempo pra cá do fato de ser mulher negra. Em alguns eventos eu não tinha mulher e não tinha negra. A gente se sente um pouco sozinha, principalmente na França, onde as barreiras são grandes também. Por isso que é importante incentivar as meninas, sobretudo", avalia.

A brasileira é defensora de dar oportunidades aos imigrantes. "Eu vejo que eu sou a árvore que está escondendo uma floresta inteira de pessoas, porque a única diferença entre eu e todas essas pessoas que estão aí cozinhando, que estão participando do evento e todos esses homens brancos da Europa do Norte, é uma questão de chance. Dê uma chance também pra outras Alessandras", pontua.

Alessandra começou recentemente um novo capítulo da sua carreira, desta vez em Lisboa. Ela foi convidada pelo empresário Paulo Dalla Nora Macedo e sua sócia Ana Carolina Silva para criar a nova carta do restaurante Cícero Bistrot. "Lisboa é maravilhosa, é como se eu estivesse indo para o Brasil. Eu me sinto como se eu estivesse abrindo um restaurante no Brasil, em Lisboa, porque eu me sinto em casa aqui", comenta.

Os pratos estarão disponíveis no restaurante a partir de novembro deste ano. "É a união de dois brasileiros que prosperaram na França, em épocas e artes diferentes, o Cícero na arte e a Alessandra na culinária", explica Paulo. A proposta do menu que está sendo criado é de unir estas duas artes. "No Cícero o que a gente vai encontrar é uma cozinha franco-brasileira-lisboense com um toque muito grande artístico. Eu quero muito puxar a cozinha para o lado artístico, eu quero criar pratos inspirados em obras modernistas. É um trabalho bonito", explica.

Os pratos ainda são segredo, mas o DN Brasil já sabe que um deles, o amuse bouche (aperitivo), terá a clássica coxinha de Alessandra, o icônico salgado brasileiro que foi o início da carreira da imigrante. A coxinha e outras 80 receitas criadas pela chef estão em um livro assinado por Alessandra, o Bresil, Ma Cuisine De Coeur (Brasil, a culinária do meu coração, em tradução livre).

Algumas delas foram feitas nesta semana em um jantar na residência oficial do embaixador do Brasil, Raimundo Carreiro, em homenagem à Alessandra. Entre os pratos, estava o camarão com molho de moqueca, o pão de queijo com caviar, o porco com couve e polenta e a cartola como sobremesa.

O jantar, oferecido pelo Cícero Bistrot, foi feito pelas mãos da equipe do restaurante, em especial a chef e sócia Ana Carolina Silva, que passou uma temporada com Alessandra em Paris. Quem também esteve no comando das panelas naquela noite foi a chef maranhense Ana Tricoeire, amiga de longa data de Alessandra, que não sabia que ela estaria lá e ficou emocionada com a presença da brasileira. "Senti muita emoção, um amor, um carinho, um respeito. Eu desejo para todas as pessoas de sentirem isso um dia", destaca. Além de dias de trabalho árduo na cozinha do Cícero Bistrot, Alessandra também participou do Congresso de Cozinha na cidade, onde reafirma sentir-se em casa.

Confira mais fotos do jantar:

amanda.lima@dn.pt