A brasileira Taty Moço era comediante no Rio de Janeiro e, em Lisboa, se tornou motorista de tuk-tuks: bom humor é garantido nas viagens.
A brasileira Taty Moço era comediante no Rio de Janeiro e, em Lisboa, se tornou motorista de tuk-tuks: bom humor é garantido nas viagens.DR

"Somos parte da cidade". Os brasileiros nos tuk-tuks de Lisboa

Imigrantes do Brasil vem de diferentes áreas de formação, das artes ao turismo. Profissionais se destacam na condução do veículo que domina o centro da capital. A dica para quem quer trabalhar no meio é clara: tem que gostar de História. E de gente.
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Passear pela zona da Praça do Comércio, Rua Garrett, Miradouro das Portas do Sol e outros locais do centro histórico de Lisboa é sinônimo de um programa que envolve entrar em contato com muita História, edifícios icônicos de arquitetura neoclássica, vistas privilegiadas e claro, muito movimento turístico. E se tem turista, pode ter certeza que, não muito longe dali, estarão alguns - ou muitos - daqueles que se tornaram dos principais veículos de locomoção para quem visita Lisboa e quer conhecer mais sobre a história da cidade: os tuk-tuks.

Ao volante destes famosos veículos, motoristas vindos dos mais diferentes cantos do mundo levam os visitantes para uma viagem no tempo dentro da capital portuguesa. Grande parte deles traz um sotaque muito familiar ao leitor do DN Brasil.

“A maioria [dos motoristas] são brasileiros, diria que ao lado dos portugueses somos os que estamos em maior número. Mas depois você encontra gente de todos os cantos: na minha empresa tem gente da Itália, França, Costa do Marfim, Canadá… e ultimamente cada vez mais empresas com pessoas de Índia e Bangladesh também estão chegando no mercado”, conta a paulistana Viviane, em Portugal há quatro anos, dois destes viajando por tuk-tuk em Lisboa e que pediu para preservar o seu sobrenome.

De acordo com a imigrante, que antes da mudança para Portugal havia vivido quase uma década na Oceania, entre Austrália e Nova Zelândia, sua entrada no mundo dos tuk-tuks esteve diretamente ligada à sua formação acadêmica. Especializada em Turismo ainda no Brasil, antes de iniciar sua vida nômade, ela trabalhou em diferentes setores em Portugal antes de voltar para sua área através dos veículos.

Apesar de ser ligada à área, Viviane acredita que brasileiros de qualquer formação podem estar aptos para trabalhar nesta profissão, desde que compartilhem algumas paixões e características, como gostar de História, ter contato com pessoas e ser extrovertido.

“Além da questão da condução, de você estar lidando com vidas, há uma série de outros pontos: tem que ser muito atencioso, ter um perfil animado, saber ser bom vendedor, então ter essa capacidade de comunicação é muito importante. E claro, gostar de História, você tem que deixar a pessoa imersa na História de Lisboa”, ressalta.

Foi este último ponto que fez com que conduzir tuk-tuks se tornasse n trabalho ideal para José, que em 2023 trocou o Sertão de Pernambuco por Lisboa. Pesquisador de História no Brasil, o pernambucano - que preferiu usar um nome fictício para a entrevista - conta que foi através dos tuk-tuks que encontrou um trabalho de que gostava verdadeiramente em Lisboa, após uma carreira quase inteira dedicada aos estudos e leituras.

“Nunca tinha trabalhado com serviços - até chegar aqui, a minha vida tinha sido em bibliotecas. Quando cheguei em Lisboa, a ideia era fazer o doutorado, mas primeiro tinha que trabalhar, juntar um dinheiro. Passei por alguns trabalhos, mas foi aqui que me encontrei”, relembra o pernambucano que, sem jeito para a restauração, foi parar no volante.

“Eu era péssimo, sofrível. No meu primeiro dia, no café, deixei cair a bandeja. Aí resolvi mudar para uma área mais ligada ao turismo”, conta. José começou primeiro com as walking tours, mas depois, cansado de andar, resolveu experimentar os carrinhos.

“Era um objeto muito estranho para mim, assim como dirigir numa cidade que você não conhece tão bem. De qualquer modo, eu aceitei o desafio e estou nisso até hoje”, destaca o brasileiro que, perguntado sobre o quão rentável é a profissão afirma que, nos meses de alta, é possível “fazer muito mais que o salário mínimo”.

Já Viviane dá números aos rendimentos. Afirma que os “bons vendedores” conseguem fazer cerca de 3000 euros nos meses de verão. “Devo ser um péssimo vendedor”, brinca José, que apesar de não chegar perto dessas cifras, conta fazer um bom dinheiro na estação mais quente.

Nos últimos tempos, a concorrência entre os motoristas tem aumentado. De acordo com a Câmara Municipal de Lisboa (CML), atualmente estão licenciados cerca de 1000 veículos em toda a cidade, número que não é acompanhado pelos lugares de estacionamento dedicados aos mesmos. A câmara disponibiliza cerca de 500 lugares para tuk-tuks e, mesmo em pontos turísticos, o que acaba por ocorrer são grandes filas de veículos e lugares inapropriados. A consequência? Multas. “Tem sido complicada essa parte, a polícia tem estado em cima de nós, mas realmente não há lugar para todos, é algo que precisa ser resolvido”, pontua José.

Por falar em percalços na vida dos motoristas de tuk-tuks, em setembro de 2017 foi fundada a Associação Nacional de Condutores de Animação Turística (ANCAT), espécie de unidade sindical dos trabalhadores da profissão e que tem sido o elo entre os drivers e órgãos como a CML. Foi inclusive através da ANCAT que houve a regulamentação da profissão, algo imprescindível para José, que, questionado sobre as vantagens de trabalhar no meio, exalta o contato que tem com Lisboa no dia a dia.

“Conhecer novas culturas, se sentir livre, estar sempre na rua e sempre a par de cada coisa que está acontecendo na rua. É qualquer coisa como: nós somos parte da cidade de Lisboa. Para mim a melhor parte é esse intercâmbio cultural”, diz com alegria José, que, perguntado sobre qual era a parte ruim do trabalho, tem até dificuldade de responder. “Não há muito, mas para citar uma... o inverno é mau. Ainda assim dá para pagar a renda e comer. E também acaba logo. Na verdade, eu realmente amo esse trabalho”, finaliza o brasileiro que trocou as bibliotecas do Sertão pernambucano pelos pontos turísticos de Lisboa e que não se imagina longe destes lugares tão cedo.

Estrela dos tuk-tuks

A aventura e sucesso da carioca Taty Moço no universo dos tuk-tuks mostra que, assim como referiu Viviane, ser uma pessoa extrovertida pode ajudar muito a ter sucesso na profissão. Comediante formada em Artes Cênicas, Taty virou um fenômeno nas redes sociais após um vídeo que viralizou enquanto conduzia passageiros por uma tour em Lisboa. Hoje, Taty tem mais de 80 mil seguidores no Instagram, virou uma espécie de influencer de tuk-tuks e recebe centenas de pedidos nas redes sociais para fazer passeios.

“Foi sem querer isso de virar influencer. Eu era comediante no Brasil, então tenho essa pegada mais extrovertida que caiu nas graças dos clientes. Até que teve um dia que estava fazendo uma piada num tour, um cliente gravou e viralizou nas redes sociais. A internet gostou e aí vi que era algo para se investir, até então não dava bola para as redes”, recorda a carioca.

Se viralizar nas redes sociais e virar influencer foi um acaso, se tornar motorista de tuk-tuk não foi muito diferente. Entre os vários trabalhos que teve em Portugal, desde operadoras telefônicas, passando por lojas e hotéis, Taty chegou também a vender brigadeiros. Alguns dos seus principais clientes nessa época eram justamente motoristas de tuk-tuks que, entendo que o ânimo da carioca seria valioso no meio, recomendaram que a comediante experimentasse o trabalho.

“Eu pensei assim: nem sei a História do Brasil que tem 500 anos, imagina a História de Portugal que tem mais de 1000?” brinca a brasileira, sempre enérgica, e que, apesar de ter tido uma formação acerca da História da cidade, acabou fazendo sucesso mais por sua faceta comediante do que pelo conhecimento histórico.

“No primeiro dia que aceitei o desafio, o chefe da empresa me deu uma aula, passeou comigo pela cidade para me explicar tudo. No final, eu só lembrava do bom dia que ele tinha me dado de manhã”, diz aos risos.

Hoje já mais preparada e conhecedora de Lisboa, algo que assim como Viviane Taty julga ser primordial para o trabalho, ela acredita que misturar bom-humor com aprendizado é a receita para o sucesso para quem quer dirigir tuk-tuks. “Tem que mesclar. Eu conto História ao mesmo tempo que divirto o público, se não fica muito maçante e, na verdade, o nosso trabalho é animação turística, portanto tem que ter essa pegada. Então é falar sobre os monumentos, mas também colocar uma música, fazer piada, brincar”, diz a brasileira.

De momento no Rio de Janeiro, onde visita o filho, Taty diz que, mesmo longe, segue recebendo mensagens no Instagram perguntando onde anda uma das motoristas mais baladas de Lisboa. “Tenho recebido um monte de gente pedindo para fazer tours, é uma loucura como bomba. Mas agora estou de férias, curtindo a família. Mas jajá volto. É um trabalho que gosto e recomendo demais”, finaliza a carioca.

nuno.tibirica@dn.pt

Este texto está publicado na edição impressa do Diário de Notícias desta segunda-feira, 13 de janeiro.

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