Sintra terá coleção de porcelana de brasileiro com mais de 2 mil peças
A Fundação Albuquerque, no Linhó, abre as portas ao público em fevereiro do próximo ano. O proprietário é o empresário brasileiro Renato Albuquerque, que coleciona peças chinesas de cerâmica adquiridas durante quase 40 anos.
Texto: Nuno Tibiriçá
Um projeto ambicioso, criado por brasileiros, promete tornar Linhó, em Sintra, um dos principais destinos culturais dos arredores de Lisboa a partir de fevereiro de 2025. A Fundação Albuquerque, que conta com mais de 2000 peças de porcelana orientais, adquiridas pelo empresário brasileiro Renato Albuquerque ao longo de sua vida, será o mais novo espaço artístico de Sintra. A relação da família com Portugal não é nova.
Na carreira, contribuiu para a construção de de diversas estradas no sul do Brasil, além de ser o responsável pela idealização de Alphaville, em São Paulo, Renato Albuquerque desde cedo teve relação com Portugal. Por aqui, idealizou os bairros da Quinta da Beloura, em Sintra, e da Quinta Patino, em Cascais. Entre idas e vindas no país, adquiriu um terreno no Linhó, usado como casa de férias da família nas últimas décadas e transformado no novo projeto mais ambicioso da região.
Em visita guiada à imprensa pelas instalações da fundação, da qual o DN Brasil participou, Mariana Albuquerque, presidente do Conselho de Administração da Fundação Albuquerque e neta do colecionador, falou sobre a trajetória de sua família e do avô. Empresário do ramo da construção, Renato Albuquerque iniciou a coleção aos 30 anos. 66 anos depois, são mais de 2000 peças de porcelana orientais juntadas pelo brasileiro, das quais “95% vieram da China", conta Mariana. A ideia é expor 25% dessa coleção, iniciada de forma despretensiosa pelo avô em leilões e que se tornou objeto de fascínio do empresário.
Após começar a participar dos leilões do sul do Brasil, Renato Albuquerque passou a comprar as porcelanas nas viagens que fazia a trabalho, muitas vezes para Portugal e outros países da Europa, outras vezes para a Ásia. A coleção, que será exposta de forma inédita na fundação de Sintra, tem peças de exportação dos séculos XV a XVIII, época das dinastias imperiais Ming e Qing na China.
“O que torna essa coleção relevante é que, como ela, em mãos privadas, não há nenhuma no mundo. Ela também tem uma grande relevância para Portugal, porque algumas das peças fazem parte das primeiras encomendas que os portugueses fizeram para a China, para que fossem comercializadas na Europa. O número é discutível, mas existem numeradas em torno de 150 dessas peças de exportação, das quais nós temos mais de 40”, conta Mariana.
A área principal do museu foi construída do zero e contará com uma exposição permanente da coleção de Albuquerque. Uma escada em forma de caracol dá acesso ao porão onde já é possível enxergar o museu que a Fundação Albuquerque quer ter: em outra entrada, que dá para o espaçoso jardim da casa, um teto de vidro foi construído para dar mais foco às peças maiores.
Haverá também um jardim oriental tipicamente japonês, afinal, apesar da esmagadora maioria das peças serem chinesas, outras também são de exportação do Japão. Outras não serão expostas, mas ficarão a vista do público em uma divisão com paredes de vidro que serve como depósito. Em outro espaço erguido do zero, a Fundação Albuquerque receberá exposições temporárias dedicadas à cerâmica contemporânea. A área conta também com um auditório que poderá receber “workshops, palestras, ciclos de conferências e apresentações”.
Situada entre um edifício e outro, a parte do jardim da quinta está passando por processo de remodelação. A ideia é que se torne palco do programa de domingo de famílias e públicos de todas as idades. Mariana cogita que o restaurante venda cestas de piquenique para o espaço e já conversa com a Câmara Municipal de Sintra para a realização de festivais de música no jardim da fundação.
No edifício principal, onde ficava a casa dos Albuquerque, haverá espaço para uma loja, uma biblioteca e um restaurante que “lembre um clima caseiro”. Uma das prioridades dos idealizadores do projeto foi também dar espaço a residências artísticas na fundação.
“Esse era o meu quarto”, conta Mariana ao passar em um uma das divisões que serão dedicadas às residências artísticas - são três no total, que também conta com um espaço de convívio e cozinha. Com foco em receber estudantes e pesquisadores de cerâmica através de um programa de open-calls, a iniciativa quer abrir as portas não só aos portugueses, mas também a outros países, de forma a criar uma ponte com a Ásia.
“Queremos também que algumas peças sejam emprestadas para a China, que possamos ter um diálogo com instituições públicas chinesas, até porque a coleção veio de lá. Tem também muitas peças na China que fariam sentido que estivessem em algumas exposições daqui eventualmente”, completa Mariana.
Com 96 anos e “muito lúcido” segundo a neta, Renato tem vindo a Portugal a cada dois meses para acompanhar a evolução das obras na antiga casa. Mariana, advogada que reside em Londres, fica em uma ponte aérea constante com Lisboa na gestão da fundação e tem ao seu lado Jacopo Crivelli Visconti, italiano radicado em São Paulo que, além de diretor da Fundação Albuquerque, é também responsável pela curadoria da programação contemporânea. Na exposição permanente, a curadoria terá uma rotação.
“O Jacopo não é um curador de cerâmica, mas tem uma pesquisa muito profunda sobre isso E a curadoria das exposições da coleção permanente vão, em princípio, ser convidados, vamos alternar a cada exposição. Para que a gente tenha um foco também novo, fresco, mostrar cerâmica tradicional de uma outra forma, que convide um público mais jovem”, afirma Mariana.
A Presidente do Conselho de Administração da Fundação Albuquerque conta que o espaço terá acesso gratuito, uma vez por semana, para estudantes do município de Sintra e visitas de escolas públicas com a presença de monitores durante todo o ano. Além do foco nas crianças, haverá espaços para iniciativas para o público da terceira idade, também com visitas guiadas. As obras da Fundação Albuquerque iniciaram no final de 2019, tendo a pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia atrasado a data inicial prevista para a inaguração, que está marcada para fevereiro de 2025. A empresa de urbanismo brasileira Bernardes Arquitetura assina o projeto.
nuno.tibirica@dn.pt