Sabores do Natal brasileiro geram crescimento a quem empreende na gastronomia
Sob encomenda, preservando a tradição ou inovando com criatividade. As mãos que fazem comidas e pratos típicos do Brasil o ano todo em Portugal têm a chance, neste período, de fidelizar quem já conhece os produtos e de ganhar novos clientes.
Texto: Caroline Ribeiro
O trabalho como bancária ocupou a maior parte da vida profissional da paulista Aparecida Farias. Já em Portugal, morando em Cascais, naquele período de reflexão que é comum a muitos imigrantes - vou fazer o que aqui? - foi a sugestão do amigo de uma das filhas que fez com que a brasileira encontrasse a vocação de sucesso atual. “Eu tinha uma boa receita de pão de queijo e ele disse pra minha filha: porque sua mãe não vende?”, conta ao DN Brasil. Hoje, a Além Mar Pão de Queijo está estabelecida no mercado com produtos artesanais e, no período natalino, ganha um impulso de crescimento.
O produto principal é vendido no formato tradicional, em pacotes de 12 unidades congeladas, cerca de 300 gramas, ao custo de seis euros. No entanto, o sucesso da empresa fez com que Cida criasse variações que já caíram no gosto dos clientes. Uma delas é a cara do Natal. Adaptando o conceito de queijo envelopado em massa folhada, mais próximo do público europeu, a brasileira lançou um queijo brie envolvido em... pão de queijo! O toque final é a geleia de pimenta caseira, outro sabor que os brasileiros adoram. É possível encomendar a delícia nos tamanhos P, para cerca de 10 pessoas, M, que serve até 14 pessoas, e G, peça de quase dois quilos que sai por 35 euros. “Faz muito sucesso e para a mesa de Natal ele fica muito bonito. Então tem muita demanda”, diz. A brasileira toca a produção em uma cozinha profissional, alugada. Quando chega o fim do ano, o marido e a filha mais nova arregaçam as mangas e ajudam.
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Para o Natal, não é apenas o brie que chama a clientela. Sempre de olho nos hábitos dos brasileiros, a imigrante começou a fazer, também, caixas personalizadas, incluindo os ítens de maior sucesso. As caixas podem ter vinho, charcutaria e o brie especial pequeno, variando de 30 a 70 euros. A estratégia agrada quem já conhece os produtos, mas é uma aposta no alto movimento de compras desta época para atrair novos clientes. “Esse período é muito de indicações. Você precisa de algo e pede sugestões. Então chega muita gente que não me conhece, não conhece o pãozinho de queijo, mas, pela caixa, passa a conhecer”, explica a empreendedora.
Aumento nas vendas
Foi também na época do Natal, mas em 2020, que a administradora Margarete Macedo viu seu negócio em Portugal deslanchar. A brasileira, natural de São Paulo, e o marido tinham começado mais cedo naquele ano a fazer e vender empadas e um queijo semelhante ao catupiry. O empreendimento nasceu pela necessidade de renda durante a pandemia. Os produtos foram fazendo sucesso e o período natalino foi o primeiro desafio. Margarete lançou um menu festivo e pegou mais encomendas do que conseguiria preparar em casa. “A gente morava do lado de um hostel que tinha três cozinhas e fizemos amizade com o pessoal. Cheguei lá e disse: olha, vocês alugam o forno pra mim? Eu paguei para eles o aluguel dos três fornos e passei a noite do dia 22 para 23, 23 para 24 e parte do dia 24 fazendo assados. E aí começou assim a loucura do Delícias da Margarete, porque aí a gente abriu um público ainda maior, começou a fazer comidas”, conta a cozinheira ao DN Brasil.
A brasileira passou a se dedicar integralmente à gastronomia. Fez cursos, passou a fazer também o serviço de personal chef e aumentou as possibilidades oferecidas aos clientes, que crescem todos os anos. “Uma cliente minha do ano passado me indicou pra outro esse ano e assim vai. É um momento em que a gente também trabalha para atender esses novos, que são indicações, e fidelizar”, diz Margarete.
O Natal acabou virando um momento simbólico e especial para o empreendimento e, por isso, exige preparação antecipada. Neste período, a paulista vê o número de encomendas triplicar. “Vai se aproximando e a gente tem que contratar um estafeta para fazer as entregas, pois não dá conta, e aí já faz a rota antecipada com ele. E sim, a gente tem que ter mão de obra extra no Natal, principalmente nos preparos. A gente começa uma semana antes, começa a fazer o que dá para ir deixando congelado, pré-pronto, para ir finalizando nos últimos dois dias”, explica.
No menu, os tradicionais pratos da mesa da ceia brasileira são os que mais vendem, entre eles o tender. A peça de pernil defumada, ao molho de laranja, precisa de uma organização prévia de um mês. Para manter aquele gostinho típico do Brasil, já que o produto não é comum em Portugal, Margarete encontrou um fornecedor brasileiro na Espanha. “Ele leva 15 dias no preparo de cada peça, com a marinada e defumação. Preciso encomendar com 30 dias de antecedência”, explica. Ao final, o investimento costuma valer a pena. A imigrante diz que, no ano passado, preparou 30 tenders. Cada peça, pesando cerca de um quilo, sai a 56 euros. “Vendi todos”, conta, “mas não caiu no gosto dos portugueses, pra eles é o arroz de pato que não pode faltar”, completa, rindo.
Memória afetiva
Para o chef confeiteiro Guilherme Santana, criador da GS Patisserie, o Natal também traz, no mínimo, o triplo de encomendas em comparação com o resto do ano. Vivendo em Lisboa desde 2019, conta perceber que, nos últimos anos, a demanda dos clientes brasileiros aumentou, mas também cresceu a oferta de quem decidiu empreender na gastronomia. “Nesses cinco anos, comecei a notar uma crescente dos produtos nos mercados, dos industrializados, mas começou a ter uma crescente mais artesanal também, como temos no Brasil”, diz ao DN Brasil.
Guilherme se mudou para Portugal para fazer um mestrado. Menos de um ano depois, em plena pandemia, precisou de renda e foi nos doces por encomenda que encontrou espaço para trazer para Portugal a marca que já trabalhava desde o Brasil. “Logo no primeiro ano, já comecei a fazer panetone. Nunca tinha feito, mas comecei a estudar e fui fazendo. Quando comecei, eu morava em Cascais e meu público ali era 100% brasileiro. Por isso que veio a ideia de ter algo que remetesse ao Brasil”, conta.
A gastronomia acaba sendo um segmento que abre oportunidades para o chamado “mercado da saudade”, produção de artigos que remetem os imigrantes aos sabores e lembranças do país de origem. Guilherme foi alcançando status na profissão de pasteleiro em Lisboa. Hoje, é o chefe da pastelaria do hotel Luster, em Lisboa. Com o reforço nas vendas de sua marca sempre no período natalino, conseguiu expandir o empreendimento. “A GS cresceu para mais dois negócios. Um é a Big Tablete, que são tabletes de chocolate gigantes e recheados, e o outro é a Bentô Cakes. Na Big Tablete vamos ter para o Natal um tablete de chocolate em formato de soldado quebra nozes, recheado com marshmallow, recriando um sabor da minha infância e de muitos no Brasil, um Nhá Benta”, explica, contextualizando a inspiração. As opções de compra dos soldadinhos são duas: em formato de boneco completo (com frente, costas e recheio) e colorido manualmente, peça com 420 gramas e preço de 40 euros, e em metade, sem pintura, ao preço de 20 euros.
Como não pode faltar, o panetone continua firme e forte no menu de Natal do brasileiro. “É um chocotone com um blend de chocolate negro, ao leite e branco, e um outro que vai ser de limão siciliano”, revela. Cada um vai custar 27,50 euros. O doce de origem italiana acabou virando parte da tradição brasileira, nem tanto da portuguesa. Por cá, as opções à venda nos supermercados são poucas - quem domina é mesmo o bolo rei - e encontrar em uma padaria ou confeitaria é praticamente impossível. É tanto que a parceira de Guilherme nos empreendimentos, a namorada dele, a portuguesa Ana Carolina, não era lá muito fã quando tudo começou. “Ela odiava”, diz o imigrante, “mas depois que provou o meu, gostou”.
Intenção de compra
Se depender das intenções de compra dos consumidores em Portugal para este Natal, os empreendedores da gastronomia vão ter trabalho de sobra nos próximos dias. De acordo com dados do estudo Observador Cetelem Natal, cedidos ao DN / DN Brasil, 96% dos entrevistados pretendem oferecer presentes a alguém, sendo que 43% das pessoas vão presentear com bebidas, chocolates, cestas (os cabazes) e outros ítens do segmento. São o terceiro grupo de produtos preferidos pelos consumidores, atrás apenas dos presentes que são objetos pessoais, como roupas e perfumes (58%), e artigos infantis, como brinquedos (55%). Segundo a pesquisa, o gasto médio dos consumidores neste Natal, com presentes, encomendas para a ceia e decoração, vai ser de 272 euros.
Este texto está publicado na edição impressa do Diário de Notícias desta segunda-feira (9).