Retrospectiva 2024: o que mudou em Portugal na área de imigração?
Ano foi marcado pelo fim das manifestações de interesse e reforço nas ações de fiscalização aos imigrantes.
Texto: Amanda Lima
O ano de 2024, que está prestes a acabar, foi marcado por mudanças profundas na área de imigração em Portugal. Algumas são consequências de ações dos anos anteriores, enquanto outras foram introduzidas com o novo Governo eleito, pondo fim ao ciclo de mais de seis anos de gestão do Partido Socialista (PS). O DN Brasil realiza uma retrospectiva de alguns dos fatos mais importantes do ano nesta área de interesse dos brasileiros e demais imigrantes que vivem ou querem viver em Portugal.
CPLP e troca de Governo
Em março, foram realizadas eleições no país - onde quem manda é o primeiro-ministro - não o presidente. Luís Montenegro (PSD) foi escolhido como líder do país, após uma campanha em que a imigração foi um tem bastante presente. O programa eleitoral era claro: regular a imigração, admitindo ser necessária, mas com regras. Tais regras viriam a ser conhecidas em junho, quando o Plano de Ação para as Migrações foi lançado-
Além das eleições, o mês de março ficou marcado pelo fim da validade dos primeiros títulos de residência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), emitidos em março de 2022, quando a iniciativa foi lançada. Como fazia desde 2020, o Executivo se deixou valer por um decreto-lei que torna todos os documentos vencidos como válidos em território nacional e não criou nenhum mecanismo para renovação. Em meio à troca de Governo, a gestão anterior deixou para a atual resolver a questão.
Nesta época, os problemas maiores começaram a surgir: empresas exigindo documentos atualizados para manter os empregos ou renovar contratos, pessoas perdendo inscrições na rede pública de saúde e outros prejuízos. Tudo isso se somou ao fato de os imigrantes não poderem viajar pelo Espaço Schengen. Quando o título foi lançado, o Governo confirmou que poderiam sair do país. Meses depois veio a verdade: não poderiam sair do território, com exceção dos países da CPLP, o que gerou arrependimento de muitos que deixaram a longa espera da manifestação de interesse por um documento que saía em 72 horas.
Lei da Nacionalidade no papel, mas não na prática
No dia 1º de abril, entraram em vigor as mudanças na Lei da Nacionalidade. Passou a ser permitido que o tempo de espera pelo título de residência passe a contar para obter a nacionalidade portuguesa. No entanto, oito meses depois, a mudança está só no papel - ou para quem possui dinheiro para fazer o processo com um advogado. O DN Brasil questionou diversas vezes sobre quando a medida será regulamentada, mas não obteve resposta.
Fim das manifestações de interesse
Foi no dia 3 de junho que a política de imigração em Portugal mudou efetivamente. Em poucas horas, o Governo acabou com as manifestações de interesse, até então o mecanismo mais utilizado para obter um título de residência em Portugal. Foi a mais impactante das 41 medidas - e também a mais imediata. O anúncio, com a presença do primeiro-ministro, foi por volta das 16h. À meia-noite, já não era possível enviar um pedido pelo antigo site. A mensagem do Governo foi clara: imigrantes apenas com visto prévio.
Reforço na fiscalização, uma unidade policial especializada em imigração e reforço nas equipes consulares foram outras metas. Como o DN revelou recentemente, cerca de 1/3 do plano foi cumprido até agora.
Mudanças no NISS
No mês de julho, na esteira do plano anunciado no mês anterior, o Governo ordenou ao Ministério do Trababalho que apenas emitisse o Número de Inscrição na Segurança Social (NISS) para imigrantes com contrato de trabalho. Meses depois, o resultado disso é que até imigrantes com visto de procura de trabalho não conseguem o NISS. Como o DN Brasil revelou recentemente, muitos contratam advogados para conseguir destravar a burocracia e trabalhar - o objetivo do visto. Na última sexta-feira (27), a Segurança Social reforçou que o contrato de trabalho é obrigatório para o direito ao NISS.
Marcelo confunde imigrantes
O fim das manifestações de interesse teve ampla repercussão no país. Representantes de associações de imigrantes mobilizaram-se para tentar reverter a medida. Em julho presidente Marcelo Rebelo de Sousa recebeu o grupo e afirmou que o fim era "temporário", o que acendeu uma falsa esperança aos imigrantes. O Governo reafirmou - uma das muitas vezes ao longo dos meses - que as manifestações não voltariam enquanto o PSD estivesse no poder. A "confusão", em parte, se deu ao fato de muitos brasileiros não conhecerem os detalhes de como funciona a governança do país: as decisões executivas são do primeiro-ministro e não do presidente, diferente do Brasil.
O mutirão da AIMA
No dia 09 de setembro, começou a se tornar realidade mais uma das 41 medidas do plano do Governo para os imigrantes: a estrutura de missão da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA). O mutirão começou por Lisboa, onde foi inaugurado o primeiro centro de atendimento aos imigrantes com manifestação de interesse.
Estão sendo convocados por e-mail, mediante a data de envio do processo, todos os estrangeiros com pedidos até 03 de junho. O mutirão vai funcionar até o verão do próximo ano, com meta de zerar todos os processos da fila. Mais de três meses depois, já são 24 locais de atendimento espalhados por todo o país.
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Protestos contra imigrantes
O ano também foi marcado por vários protestos contra imigrantes. O primeiro foi ainda em fevereiro, em Lisboa, organizado pelo grupo nazista 1143. O mesmo grupo realizou outro ato no Porto, em abril. Em outubro, foi a vez de a iniciativa ser realizada em Guimarães - além de outras ações.
Mas tais protestos não partiram somente de grupos extremistas. O partido Chega, que geralmente vota contra medidas de apoio à imigração, organizou dois atos, um em Lisboa e outro no Porto. Ambos contaram com milhares de pessoas, entre elas, representantes de grupos extremistas, como o 1143 e Reconquista, abertamente contra a presença de brasileiros e outros imigrantes em Portugal.
Outro grupo extremista, o Habeas Corpus, vandalizou a AIMA do Porto em outubro. Eles fixaram diversos cartazes em toda a fachada do prédio, onde se lia “AIMA encerrada, enquanto os portugueses não tiverem saúde, segurança, habitação, emprego, educação”. A ação atrapalhou os agendamentos do dia.
Regime de transição das manifestações de interesse
O Governo já garantiu que não voltará atrás sobre as manifestações de interesse. Muitas pessoas criticaram a medida repentina, o que levou a Iniciativa Liberal (IL) a propor no Parlamento um projeto de lei para abranger as pessoas que estavam no processo e já trabalhando, mas sem ter feito a solicitação até 3 de junho.
O projeto foi aprovado com apoio do Governo e votos contrários do Chega. O presidente sancionou a lei em novembro, mas, quase dois meses depois, ainda não está valendo na prática. Falta o Governo regulamentar a lei para que os imigrantes nesta situação possam fazer o pedido do título de residência. O DN Brasil já perguntou ao Executivo quando haverá a regulamentação, mas não obteve resposta.
CPLP aprovada no Parlamento
Aos 45 minutos do segundo tempo, logo antes do recesso de Natal, o Parlamento aprovou as mudanças no título da CPLP. Foram dois meses de tramitação, que só andaram porque o Governo mexeu na proposta de lei e conseguiu apoio do PS para a aprovação. Mas o caminho ainda é longo.
Falta a sanção presencial e a regulamentação. Só depois é que os 150 mil imigrantes com esse documento serão chamados para recolha dos dados biométricos e troca da folha em papel A4 por um título de residência no mesmo modelo dos demais. O DN Brasil sabe que o Governo quer usar os pontos de atendimento da estrutura de missão para esse serviço.
As mudanças aprovadas no Parlamento também vão permitir ao Governo "liberar o cadeado" no portal da CPLP para pedir o documento já estando em Portugal. Não há previsão para que isso aconteça.
amanda.lima@dn.pt