Portugal vive “aceitação crescente do preconceito” contra imigrantes, diz pesquisador
Rui Costa Lopes, um dos principais pesquisadores da área, analisa o momento que o país atravessa, com o sentimento anti-imigração e os imigrantes em busca de direitos.
Texto: Caroline Ribeiro
A situação das políticas migratórias em Portugal tem mobilizado, de maneira recorrente, vários agentes da sociedade. Sejam entidades ligadas aos direitos dos imigrantes, os próprios estrangeiros e muitos portugueses, todos pedem melhorias nas leis que regem a vida daqueles que vêm de fora. Na última sexta-feira (25), por exemplo, um ato juntou centenas de pessoas, em frente a Assembleia da República, para cobrar o retorno do mecanismo de manifestação de interesse, extinto pelo Governo em junho.
Cada movimento público que se vê no sentido de cobranças aos governantes acaba também se tornando munição para grupos que defendem o oposto. De acordo com Rui Costa Lopes, Investigador Principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, os movimentos contrários à imigração que agem atualmente em Portugal são consequência de três “fenômenos recentes”, explica ao DN Brasil.
“Por um lado, apesar dos dados recentes indicarem que os portugueses tendem a sobrestimar o número de imigrantes no país, é consensual que houve um aumento significativo na entrada de imigrantes. Muitos destes processos permanecem não regularizados, em grande parte devido a uma crise administrativa decorrente da extinção do antigo SEF e da aparente ineficiência da AIMA. Esta sensação de ‘invasão’ constitui o primeiro fenômeno”, analisa o pesquisador.
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O segunto ponto é a instrumentalização de notícias que envolvem crimes cometidos por imigrantes, feita por atores sociopolíticos “de inclinação populista”, explica Lopes, como o partido CHEGA, que, “de forma eficaz”, usam discursos anti-imigratórios tanto nas redes sociais quanto nos meios de comunicação tradicionais.
Por fim, segundo o pesquisador, nos últimos anos, “assistimos à normalização da direita radical”. A consequência é “uma aceitação crescente do preconceito e dos sentimentos anti-imigração” que, antes, “eram publicamente condenados”, explica. A normalização, adiciona, faz com que manifestações “que antes tinham pouca adesão sejam agora mais significativas, por incluir pessoas que antes se sentiam constrangidas a expressar publicamente essas opiniões”, conclui Lopes.
Consciência política
Quando falamos sobre o potencial de manifestações de imigrantes como forma de resposta e influência nas decisões dos governantes no setor, o pesquisador diz que “é sempre difícil aferir o impacto de manifestações públicas, mas é sabido que apenas franjas organizadas que contam com o apoio formal de grupos de pressão (lobbies) e organizações sindicais conseguem verdadeiras mudanças com base em protestos”. Para Rui Costa Lopes, “mais eficaz será a tentativa de mobilização de atores políticos que negociam diretamente com o governo em alturas específicas como a aprovação do orçamento e afins”, daí concordar que “um maior envolvimento e acompanhamento dos imigrantes na vida política nacional é não só merecido como pode vir a ser útil”.
Sem presença significativa no Parlamento, imigrantes utilizam ferramentas disponíveis para qualquer cidadão para mudanças que beneficiem os estrangeiros. Uma delas é a criação de petições na internet. Foi por meio de uma iniciativa destas, por exemplo, que a brasileira Juliet Cristino, presidente do Comitê dos Imigrantes de Portugal, conseguiu uma alteração à Lei da Nacionalidade. A mobilização de Juliet, que reuniu milhares de assinaturas, resultou na mudança que conta a espera pela autorização de residência na soma dos cinco anos exigidos para o pedido da nacionalidade por tempo de residência no país. A alteração ainda aguarda regulamentação do Ministério da Justiça para entrar em vigor. E existem outras petições online, propostas por brasileiros, que visam melhorar a vida dos imigrantes no país.
Uma outra forma é acompanhar mais de perto o trabalho de órgãos relacionados com a vida dos estrangeiros, como o Conselho Nacional para as Migrações e Asilo da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA). Em eleições no início deste mês, a presidente da Casa do Brasil de Lisboa, Cyntia de Paula, foi eleita como representante da comunidade brasileira no conselho para um mandato de quatro anos.
caroline.ribeiro@dn.pt
Este texto está na edição impressa desta segunda-feira (28), do Diário de Notícias, na seção DN Brasil.