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"Para comer com o coração de Dom Pedro" é o novo livro de escritora brasileira em Portugal

Livro está em pré-venda até o dia 20 de julho.

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por DN Brasil
"Para comer com o coração de Dom Pedro" é o novo livro de escritora brasileira em Portugal
Manuella Bezerra de Melo é de Pernambuco, vive em Guimarães e faz doutorado na Universidade do Minho. Foto: Arquivo pessoal.

Texto e entrevista: Amanda Lima

Estrangeira

a freguesia, os limites da freguesia
desconhecidos e ninguéns
a capa lilás da invisibilidade
campo de força
campos sem força
fronteiras de si e do outro
o avanço do semáforo
o caos da saude
o rabo que você não abana

Este é um dos poemas do livro Para comer com o coração de Dom Pedro, escrito pela brasileira Manuella Bezerra de Melo. A publicação está em pré-venda no país até o dia 20 de julho, com o selo da editora Urutau. Manuella é pernambucana e mora no norte de Portugal desde 2017. A imigrante se mudou com o filho adolescente para estudar mestrado na Universidade do Minho, onde hoje termina o doutorado.

Jornalista por formação, tem 41 anos e um amplo currículo acadêmico, sendo uma das brasileiras a conquistar uma das concorridas bolsas de pesquisa da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). No Brasil, Manuella tem trabalhos publicados em várias editoras, mas todos os livros publicados em Portugal foram editados pela Urutau, que é de origem brasileira mas atua, publica e distribui na Europa.

Ao DN Brasil, Manuella relata que a vida cotidiana de imigrante é a principal inspiração para a escrita. "Acho que no fundo o que me inspira sempre é o cotidiano, a vida real, a barbárie que é estar viva. Eu deixei o jornalismo, mas de algum jeito o jornalismo nunca me deixou, não sempre, mas com frequência há uma nota de referência àquilo que passamos todos no cotidiano", relata.

De acordo com a escritora, a publicação de Para comer com o coração de Dom Pedro, a sétima de sua carreira, é também resultado do esforço em continuar escrevendo, depois de muitos nãos. "Já enviei trabalhos para algumas dezenas de editora e sempre recebo negativas. São muitos os motivos, mas penso que o principal deles é, sem dúvida, a estrutura hierárquica colonial que existe em relação a língua portuguesa, que denota a nossa variante uma inferioridade", relata ao jornal.

No prefácio, escrito pela professora Margarida Rendeiro, aponta para um mito da união. "Para comer com o coração de Dom Pedro é a resposta poética que preserva o coração, mas desconstrói o fetiche, com os seus mitos lusotropicalistas sobre nações unidas por um só coração e uma sociedade integradora das vidas imigrantes, recorrentes nos discursos políticos", escreve a pesquisadora portuguesa, professora da Universidade NOVA de Lisboa.

Confira a conversa da escritora com o DN Brasil.

O que a inspirou para escrever o novo livro de poemas?

Acho que no fundo o que me inspira sempre é o cotidiano, a vida real, a barbárie que é estar viva. Eu deixei o jornalismo, mas de algum jeito o jornalismo nunca me deixou, não sempre, mas com frequência há uma nota de referência àquilo que passamos todos no cotidiano. Mas a escrita me ajuda a nunca desistir da possibilidade de imaginar outros mundos, outras formas de existir, então pela nota do real é que eu confronto a realidade que me desagrada e invento outra. Acho que este livro é sobre isto, sobre uma proposta de coexistência apesar dos pesares, um deboche com a forma burra ou oportunista, egoísta e pouco comunitária com a qual lidamos com nossa vida em sociedade. Infelizmente – ou felizmente para o livro – a vida do imigrante em Portugal tem sido fervilhante, agitada, nos tornamos a bucha de canhão do protonacionalismo, e isso machuca de muitas maneiras todos os dias, não falta inspiração.

Quanto tempo levou a escrita?

O livro levou uma média de dois anos e meio para ser finalizado. Mas porque meu processo de criação é um bocado confuso e caótico. Não acredito muito na ideia de texto finalizado, de produto final, gosto de experimentar Acho que literatura se faz também de rascunho, de reescrita, de processo, de colagens e recortes. Tenho o hábito de reescrever poemas meus que já foram publicados como forma de me reconciliar com eles, por exemplo. No caso deste livro, começou comigo revisitando um poema solto na gaveta que nunca tinha sido publicado e estava esquecido. Achei que ele tinha muita conexão com quatro outros que tinham sido publicados soltos, um deles em uma revista portuguesa de um projeto chamado Verso do Bago, e três em uma pequena plaquete que saiu só no Brasil como um brinde da editora Macabéa a quem comprasse um outro livro meu chamado Para que Roam os Cães Nessa Hecatombe (2020). Eu alinhavei estes cinco textos em um direcionamento e percebi que tinha uma proposta de livro. Então fui costurando lentamente a outros poemas novos que nasceram desses espaços vários entre um e outro poema.

Quais as dificuldades que uma mulher escritora brasileira enfrenta em Portugal?

Não fosse pela Urutau provavelmente nunca teria sido publicada aqui, caso dependesse de uma editora portuguesa. Já enviei trabalhos para algumas dezenas de editora e sempre recebo negativas. São muitos os motivos, mas penso que o principal deles é, sem dúvida, a estrutura hierárquica colonial que existe em relação a língua portuguesa, que denota a nossa variante uma inferioridade. Além disto também há um certo problema do campo literário daqui sobre a relação entre política e literatura, muito fundada na ideia de arte pela arte, de rigor e primor do engenho, do quão você demonstra ser habilidoso no manuseio dos códigos e valores de certa tradição literária. Não é algo que se fala abertamente, mas não sei se há aqui um assunto do qual se fale abertamente. É tudo muito no cochicho, no sussurro de ouvido. É como se eles acreditassem ser possível uma neutralidade em favor da experimentação sensível exclusivamente pela forma e prazer estético, como se a própria neutralidade também não fosse política, como se só existisse política no texto do autor que avisa: “olha, aqui tem política”, quando a verdade é que o meu pacto com meu leitor é mais honesto e sem subterfúgios. A minha literatura tem bastante conteúdo político, eu aviso isso ante mão, mas a defendo como literatura com todos os meus dentes porque como mulher, imigrante latino americana não admito que me acusem de não escrever literatura porque o que eu faço é confrontar na forma e no tema os padrões eurocentrados. Não estou interessada em mostrar preciosidade e eruditismo, ao contrário, meu interesse é quebrar a tradição. Por isto é considerada “literatura menor”, também por isto, penso eu, devo levar os nãos que levo das editoras portuguesas, e por isto também inventam palavras reducionistas como “engajada”, “panfletária”.

Quais são as tuas principais referências literárias portuguesas?

Sou uma grande apaixonada por literatura portuguesa contemporânea e acho curioso como vários autores hoje enaltecidos eram nos seus tempos figuras extremamente políticas com uma literatura também política: a Sophia de Melo Brayner, o furacão que era a Natália Correia, com quem inclusive me identifico muito porque além de escritora era uma grande agitadora, as três Marias, são alguns exemplos. Atualmente tenho lido muito autoras da minha geração porque acho que é preciso ler as mulheres enquanto elas estão vivas; a Francisca Camelo é uma das minhas favoritas, e a Golgona Anghel, que por acaso é imigrante romena, mas reconhecida como escritora portuguesa. Me inspiro muito nestas mulheres imensas. Mas sem duvidas, a minha maior referência é a Ana Luísa Amaral, uma escritora impressionante que tive, por sorte, a honra de conhecê-la em vida, alguém que não tinha nenhum receio em afirmar seu conteúdo político e que fez muito pela literatura de mulheres em Portugal também como pesquisadora. Uma pessoa sensível, capaz de produzir uma obra política no uso do que a vida tem de mais trivial, das coisas que nos passam ao lado, nos detalhes que normalmente estamos distraídos. 

amanda.lima@dn.pt

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