Opinião. "E se eu não tivesse mudado de país?"
Texto: Cristina Fontenele*
Escrevo a crônica desta semana com o coração enlutado. Acabo de passar por mais uma grande perda. No último dia 7, minha tia, uma segunda mãe para mim, faleceu. Estou novamente em processo de luto e, enquanto imigrante, parece inevitável pensar: “Se eu tivesse ficado no Brasil, teria mais memórias com ela, sentiria menos o impacto?”.
Ao longo deste tempo como imigrante, você alguma vez também já considerou “e se eu não tivesse mudado de país?”. A lista de prós e contras que enumeramos no papel é apenas um resumo. De um lado, o que poderia ter sido se ficássemos em nosso país de origem: afetos, memórias, pertencimento?; do outro, o que não viveríamos se tivéssemos permanecido: oportunidades, aprendizados, novos desafios? O dia a dia vai além desta dualidade, embora esteja emaranhado nela.
Uma vez imigrante, somos confrontados com uma pergunta frequente: “Mudar de país foi a decisão correta?”. Vamos pesando ganhos e perdas numa espécie de balança da vida, apontando do lado esquerdo as renúncias e do lado direito as conquistas. Um rascunho simplista dos caminhos que tomamos para encontrar a resposta mágica ao tema crucial: “Todo o esforço está valendo a pena?”
A resposta nem sempre vem pronta e de pronto. É uma equação complexa de resolver, porque neste cálculo o denominador não é comum. Há inúmeras variáveis, principalmente sobre o que é valor para cada pessoa e se, no momento, é melhor dividir ou multiplicar.
Apesar de melancólico, o “e se” pode ser também um recurso de criatividade quando nos estimula a pensar quais diferentes soluções podemos abordar para resolver uma questão. “E se optarmos por esta estratégia em vez daquela outra?”. “E se criarmos um fundo de reserva e não comprarmos o carro agora?”. “E se economizarmos este mês para viajarmos em outra data?”.
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Entre reflexões, dúvidas e alegrias, lá estava eu sempre compartilhando tudo isso com minha tia-mãe, que se realizava vendo o quanto de novidade eu ia experimentando. ”Vejo-a vivendo as coisas por mim.”, confessava nas conversas por WhatsApp, nosso veículo. Era como se eu levasse minha tia e meu pai na mochila e o percurso individual, de repente, tornava-se coletivo.
Tenho aprendido ao longo dos percalços a ser uma pessoa menos “e se”, no sentido de não criar arrependimentos ou ficar estagnada pelo medo de tentar. Viver o novo, de alguma forma, amplia perspectivas e nos impele a ser mais corajoso. É agir, mesmo sem garantias. “Você tem que aproveitar as oportunidades que surgem, você tem que ´criar´ família de amigos, o que depende de você e não do acaso.”, orientava minha tia, sempre sábia.
Não faço ideia de como processar mais este luto e de como viver sem os conselhos e amparos dessa tia. Estou arquivando fotos e a voz dela na minha cabeça. Sabe quando a gente continua a ouvir a voz da pessoa sussurrando direções?
Em desabafo com uma prima também muito ligada a essa tia, conversamos sobre nossa incredulidade acerca da morte. A prima divide a própria angústia sobre com quem irá, a partir de agora, compartilhar a evolução do seu filho e suas conquistas. Nossa dor, somada, procura elaborar estratégias. E se a gente se unir ainda mais para celebrar a memória da nossa tia? E se a gente pensar: o que ela nos diria neste momento? Talvez a gente consiga multiplicar um pouco da luz que nossa amada sempre irradiava com suas palavras, risadas e amor.
*Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.