Opinião. A saudade de quem fomos antes da maternidade
Todas nós que hoje somos mães, um dia não fomos. Nem sempre é fácil se lembrar de como eram esses tempos. A rotina, agora inundada por todas as responsabilidades inerentes à chegada de uma pequena pessoa ao mundo, consome quase toda a nossa energia - incluindo aquela relegada à nós mesmas.
Antes de sermos mães, não fazemos ideia da imensidão que é ser uma - até que nossa cria chega e com ela aquela avalanche de sentimentos, os bons e os não tão bons. Nada, absolutamente nada, prepara-nos para a maternidade e muito menos para o puerpério.
Clique aqui e siga o canal do DN Brasil no WhatsApp!
Por um tempo, o 'eu' deixa de existir. É natural, estranho seria se não fosse. Somos biologicamente programadas para manter aquele pequeno ser, totalmente dependente, vivo. Darwin já dizia: é a tal da sobrevivência da espécie. Por algum tempo, o espelho nos parece estranho, as roupas de antes não servem mais, a cabeça é um computador perfeito para lembrar datas das vacinas e horários de consultas, mas não consegue se lembrar de mandar aquela mísera mensagem pelo whatsapp. As prioridades são outras.
Vestir essa nova pele requer tempo de adaptação, tempo que muitas vezes nos é roubado. Tempo para entender que "eu" e "bebê" já não estamos visceralmente conectados por uma placenta. Por nove meses, os dois corpos são apenas um. O parto, esse momento tão disruptivo na vida destas duas pessoas, é um ritual de passagem, mas atravessar esse portal totalmente leva tempo e paciência.
O puerpério não dura apenas 40 dias, isso é o que chamamos de resguardo, o tempo que o útero leva para voltar ao seu tamanho normal. Mas enquanto o útero volta ao seu lugar de origem, nada mais permanece igual. O puerpério é um terremoto que abala nossas estruturas. Não, as coisas não são (e nem voltarão a ser) as mesmas. Os móveis foram todos tirados do lugar. Vai demorar muito tempo, cada uma processando esse tempo à sua maneira, para que algumas coisas voltem ao seu lugar, e muita coisa vai se perder nesse processo. Alguns itens a gente fará questão que fiquem exatamente como estavam, outros a gente vai jogar fora. E alguns, bem, alguns vão precisar serem totalmente reformados para ornarem com a nova decoração.
Vai levar um tempo até que você reencontre partes da mulher que era antes da mãe - aquela de quem muitas vezes sentimos tanta saudade. Leva tempo, cada uma o seu, até que você reencontre felicidade em sair sem se preocupar se está tudo bem. Até que perceba que o cordão umbilical foi cortado e você e seu bebê são, na verdade, duas pessoas separadas. Leva tempo, mas esse dia chega. E enquanto ele não chega, eu te desejo gentileza.
Stéfanie Stefaisk é mãe, jornalista, doula, imigrante e feminista. Acredita que a maternidade é revolucionária e que o matriarcado é a solução para todos os problemas.