Opinião: o que acontece se houver um referendo para cotas de imigração em Portugal?
"Criar uma divisão no país entre portugueses contra e a favor da imigração somente vai fomentar radicalismos de extrema direita, que promovem a violência e não tratam a questão nas suas mais variadas nuances".
Texto: Dra Priscila Corrêa, a pensar no Direito e na política que o cerca
A semana começou polêmica. O presidente do Chega, André Ventura, declarou que somente aprovará, com seus 50 deputados que compõem a Assembleia da República, o orçamento de Estado caso o governo e o Presidente da República aceitem a proposta de um referendo sobre imigração. Mas você sabe o que é um "referendo" e de que forma esse instituto pode modificar a política legislativa?
Numa linguagem popular um processo de referendo é o meio pelo qual a população se manifesta a respeito de um tema de relevância nacional, ou seja, o povo é provocado a dizer o que pensa sobre determinada matéria e, a partir do resultado dessa consulta, o poder legislativo pode editar uma lei regulando a vontade da maioria. Qual o problema de um referendo sobre imigração? Parece ser uma ótima forma de ouvir a população.
O problema reside no modo de execução e no como a proposta será apresentada, isso porque, segundo a Constituição da República, o "referendo recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas com objectividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, num número máximo de perguntas a fixar por lei, a qual determinará igualmente as demais condições de formulação e efectivação de referendos." E é nessa cilada que mora o perigo... uma matéria tão complexa quanto imigração não cabe em perguntas simples, sob pena de reducionismo de questões de profunda relevância econômica e social.
Se a pergunta for sobre a população portuguesa concordar com cotas para imigração numa resposta apenas de "sim" ou "não " de que forma a Assembleia da República poderá definir tais demandas? O Estado português apresenta uma estrutura eficiente que permite contextualizar as necessidades econômicas, sociais, demográficas, tecnológicas, fiscais e tributárias relativas à imigração? A própria inapetência da Administração Pública em identificar o número preciso de imigrantes hoje que se encontram no país é prova de que Portugal não está à altura dessa tarefa.
No mais, criar uma divisão no país entre portugueses contra e a favor da imigração somente vai fomentar radicalismos de extrema direita, que promovem a violência e não tratam a questão nas suas mais variadas nuances. Antes de se saber fazer contas aritméticas profundas é necessário saber somar e diminuir. Antes de se escrever um tratado da língua portuguesa é necessário passar pela alfabetização.
Antes de se perguntar ao povo se deve ou não haver cotas na imigração é indispensável explicar economia, contas públicas, consequências do envelhecimento da população, baixa natalidade e enfraquecimento da oferta de mão de obra. Infelizmente não se pode fazer política de redes sociais, programas populistas e achar que com isso se resolve o país. Se o governo diz sim ao referendo corre-se um sério risco de prematuridade numa assunto tão sério, e se diz que não será taxado como autoritário por se recusar a ouvir a "voz do povo".
Medidas como essa de "toma lá dá cá" afastam Portugal do enfrentamento do problema real. Mais do que se importar com quem é a figura no poder, é necessário analisar se essa figura e esse partido estão aptos a resolver o país. "Chumbar" o orçamento de Estado coloca o país num novo cenário de instabilidade política que há anos se repete, impedindo Portugal de desenvolver projetos concretos de desenvolvimento do país.
Mas esse entrave favorece quem está simplesmente à espera de tudo colapsar para se mostrar como o "Salvador da Pátria". Fiquemos atentos… Fiquemos sempre atentos a quem negocia com nossos direitos em prol de projetos e interesses particulares. O problema nunca foi o número de imigrantes. As estatísticas mostram que a imigração favorece o país. O problema está em se ter uma administração pública lenta e deficiente em tecnologia e pró-atividade. E isso não se resolve com "cotas". Vejamos o que o futuro nos reserva.