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Opinião. O mercado inexplorado e a exploração do gênero feminino - Economia do cuidado

"Remunerado ou não, a participação majoritária do gênero feminino neste tipo de trabalho é uma construção social e histórica que fora escancarada pela pandemia do Covid-19 e merece maior atenção em Portugal e no Brasil".

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Opinião. O mercado inexplorado e a exploração do gênero feminino - Economia do cuidado
Photo by CDC / Unsplash

Texto: Luisa Cunha

Caetana chega em casa depois de um longo dia de trabalho. Sem reclamar, sentindo-se com sorte por ter dois empregos externos que gosta e bastam para a manutenção de seu estilo de vida junto ao parceiro, começa agora no conforto do lar sua terceira jornada de trabalho.

Caetana tira os sapatos e coloca um sorriso no rosto, afinal o “homme office” que lhe aguarda lhe foi ensinado desde pequena e ela o exerce, quase que de forma automatica, e sem qualquer tipo de questionamento. É a jornada mais puxada de seu dia, e apesar de a realizar com grande satisfação, é um trabalho infinito, invisível, e não remunerado. Caetana é mãe, dona de casa, e acima de tudo, Caetana é mulher. Sua terceira jornada de trabalho é o cuidado.

Caetana é uma personagem ficcional, mas representa a contribuição de milhares de mulheres para um serviço que, se remunerado, valeria mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo.

Esta foi a conlcusão da Oxfam, uma organização britânica sem fins lucrativos que atua em 87 países ao redor do globo, e que revelou em seu relatório “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade” que nós, mulheres e meninas, somos responsáveis por mais de três quartos do exercício do cuidado não remunerado no mundo.

O estudo gira em torno da discussão da Economia do Cuidado (do original, em inglês, care economy), um campo de debate que busca medir a importância da contribuição do trabalho do cuidado em relação à manutenção da vida.

Em 2022, fez-se 50 anos desde que Silvia Federici, filósofa italiana erradicada nos EUA fundou o Coletivo Feminista Internacional que lançou Internacional Wages For Housework (WFH), campanha a favor do salário para o trabalho doméstico. A iconica frase de Silvia “O que eles chamam de amor, eu chammo de trabalho não remunerado” levanta a discussão e faz uma crítica aos contrapontos daqueles que, de fora, veem a Economia do Cuidado como uma afronta ao seio familiar.

Os últimos anos levaram mulheres e meninas à estafa com o confinamento compulsório imputado pela pandemia. Obrigadas a cumprir a dupla jornada em simultaneo para o serviço do cuidado e de suas carreiras, sem a rede de apoio de escolas, creches e ajudantes do lar - rede esta que em sua maioria também se constitui de mulheres, segundo dados do memso relatório da Oxfam 2/3 dos trabalhos de cuidado remunarados são exercido pelo sexo feminino - o momento de desamparo serviu como start da discussão, abrindo os olhos de mulheres e parceiros para desigualdade de carga de tarefas.

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A Economia do Cuidado e seu debate convidam então a uma reflexão estrutural. Silvia ao dizer que o amor, para mulheres tem cunho de serviço não remunerado, não busca poluir com a ganância do dinheiro o carinho que é empenhado por todas nós que exercem diariamente o cuidado. Mas sim, atentar para o fato de que a média de carga ativa da mulher chega a 4,5 horas/dia não remuneradas, enquanto a do gênero masculino não alcança a metade. (“Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade” - Oxfam)

Nós Mulheres somos socializadas para cuidar desde que nascemos, e a desconstrução deste ensino é penoso e deve ser constante diante da culpa psicológica em pensarmos misturar o cuidar e o amar com a valorização de nosso próprio tempo.

Ainda segundo a ONU Mulher, a jornada de trabalho não remunerada, aliada à disparidade de remuneração e valorização da mão de obra da mulher no mercado de trabalho é uma dos maiores reforços da poítica do patriarcado, uma das maiores agravantes da desigualdade de gênero. O cuidado é jornada dupla, às vezes tripla ou quádrupla de trabalho, vai para além dos filhos à casa, à família e aos idosos. Vai para muito além de colocar o copo na pia.

E se ninguém fora ensinado a cuidar como parte de sua tarefa, inerente às demais responsabilidades do dia? Quem assumiria as quase 12,5 bilhões de horas não remuneradas diárias de trabalho investidas no cuidado de casas, idosos e crianças?

Qual sistema patriarcal, se imputado ao homem esta carga de tarefas, abriria mão da remuneração de um serviço capaz de movimentar 11 trilhões de dólares por ano à economia global?

Remunerado ou não, a participação majoritária do gênero feminino neste tipo de trabalho é uma construção social e histórica que fora escancarada pela pandemia do Covid-19 e merece maior atenção em Portugal e no Brasil.

Foto: Cláudio Noy

Luisa Cunha é advogada e imigrante brasileira radicada em Portugal há três anos. Coordenadora do Projeto "Duetos" e membro da equipa do FIBE, é pesquisadora nas áreas de direitos humanos, cooperação internacional e gestão de ONGs.

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