Opinião. "Nem mais um imigrante ilegal". Quem mais concorda com essa frase são os imigrantes
"Aliciar um levante da população num discurso contra os imigrantes indocumentados distorce o real problema, e coloca na vítima a culpa pela sua condição".
Texto: Priscila Corrêa
"Nem mais um imigrante ilegal". Essa frase foi entoada centenas de vezes pelos manifestantes do partido Chega nas ruas do Porto, na tarde do último sábado, 23 de novembro. O que não se entende, e, nesse contexto, vale sempre lembrar as muitas hipóteses de que a lei dispõe, de se regularizar o imigrante em território nacional, é que na maioria esmagadora dos casos, os imigrantes ditos como "ilegais", assim o estão por causa da ineficiência do governo português nos procedimentos de análise e de emissão de documentos.
Da mesma forma, a emissão dos vistos consulares se encontra totalmente atrasada, em todos os prazos. Apesar da promessa feita em junho desse ano, todos os consulados permanecem com seus sistemas arcaicos e sem reforço de funcionários, o que impede a emissão dos vistos mais urgentes, como os de estudantes, e trabalhadores sazonais. Um detalhe importante, quando se quis tratar dos atletas, visando à não criar obstáculos aos calendários futebolísticos, rapidamente se encontrou uma solução! Por que será?
Ao final desse mês de novembro, há mais de dois meses de início do ano letivo, são milhares de alunos que estão a perder aulas e socialização com seus pares, tão fundamental ao sucesso da vida acadêmica, e, de novo, só podemos apontar um único culpado: O Governo Português. Nos últimos dias, muitos imigrantes foram convidados a pagar o DUC, para que possam garantir a análise das vossas manifestações de interesse, e o consequente agendamento. Muito embora o governo prometa agendá-los, quantos não foram os casos de imigrantes que tiveram seus agendamentos cancelados e até agora nunca receberam nova data?
Não se trata de um número residual, e sim casos aos milhares, ou seja, de novo, reflexo da profunda desordem administrativa.
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E os problemas não param por aí. Que tal falar das milhares de pessoas cujas entrevistas aconteceram há mais de um ano, e os títulos de residência nunca foram enviados? De novo, mesma causa, falha administrativa, descaso, há situações, inclusive, de processos perdidos dentro da própria AIMA.
Lembremos, ainda, da fala admitida pelo ministro António Leitão, responsável pela pasta, de que o reagrupamento não é uma prioridade? Tampouco tratamento igualitário aos imigrantes da CPLP, vide à forma discriminatória como são vistas suas residências, o que lhes impede, inclusive de voltarem aos seus países de origem em segurança, dado que o decreto de prorrogação só em válido em Portugal?
Que lindo cenário esse de não haver mais imigrantes "ilegais" neste país. Qual a solução para esta utopia? É o poder público trabalhar corretamente, e nisso, se incluem os deputados do Chega. A eles cabe, juntamente com os demais, a elaboração de propostas de lei coerentes, em harmonia, compatíveis entre si, com respeito à Constituição, à lei da imigração vigente, aos tratados internacionais e aos direitos humanos.
Aliciar um levante da população num discurso contra os imigrantes indocumentados distorce o real problema, e coloca na vítima a culpa pela sua condição. Imigrantes trabalham, imigrantes pagam impostos, e numa taxa elevadíssima, imigrantes ajudam a economia portuguesa a crescer e gerar receita ao país, que garante, sobretudo, estado de bem-estar social aos mesmos portugueses que os repudiam.
Não sejamos simplistas em nossas análises, chega de circo. Está na hora de se falar a verdade, com base em dados e relatórios validados por instituições idóneas, sem viés ideológico a acobertar interesses outros, que não o de "vender" ideias que favoreçam agendas desse ou daquele partido. Portugal precisa de imigrantes legalizados, e os imigrantes precisam de um Estado que lhes garante a legalização dentro da lei!
Dra Priscila Corrêa, Advogada Especializada em Direito Internacional Privado. Sempre a defender o lado da razão e da legalidade.
dnbrasil@dn.pt