Opinião. É preciso falar sobre detenção de imigrantes
"Infelizmente, o imigrante sem residência em Portugal não é livre. Vive numa prisão sem muros ou fronteiras, mas que, a qualquer momento, pode sofrer com os grilhões invisíveis de uma detenção".
Texto: Priscila Corrêa
Hoje quero partilhar com vocês uma história muito triste, que tem nome e sobrenome. Uma imigrante como outra qualquer, poderia ser sua vizinha, prima, amiga, namorada, ou seja, qualquer uma pessoa nesse imenso mar de imigrantes que residem em Portugal e no restante da Europa.
Jessika já vive em Portugal desde agosto de 2023, e tal como a lei permitia até então, fez sua manifestação de interesse para obter a autorização de residência no país. Mas é claro, com toda morosidade do processo, Jessika é uma das milhares de pessoas que aguardam por anos a conclusão de sua residência.
No caso dela o tempo de espera é relativamente "curto", comparada a outros tantos, de apenas 1 ano e 3 meses. Acham normal uma pessoa levar quase 2 anos para usufruir de um direito? Pois eu não acho. E já passou da hora do Governo também deixar de achar. Mas continuando...a incompetência do estado prejudicando cidadãos de bem que pagam impostos e contribuem para a economia do país.
Jessika, inadvertidamente, como muitos, resolveu sair de Portugal e viajar para Bélgica. Não pretendia com isso nenhuma mudança. Foi apenas a passeio, no desejo de exercer sua liberdade de ir e vir, direito consagrado na constituição e garantido a todo cidadão livre. Infelizmente, o imigrante sem residência em Portugal não é livre. Vive numa prisão sem muros ou fronteiras, mas que, a qualquer momento, pode sofrer com os grilhões invisíveis de uma detenção.
Por acaso, no dia de hoje, acontece uma operação policial na praça Martins Muniz e no centro comercial em Lisboa, em que a polícia cercou os arredores do local em busca de identificar imigrante em situação irregular. Segunda a subcomissária Ana Ricardo, coordenadora da operação, essa é mais uma das que acontece em âmbito nacional. Em operações como essa as pessoas podem ser detidas para averiguação, e, tal como o caso da Jessika, virem a sofrer com eventual deportação.
O bizarro de tudo isso é que no dia de ontem o governo publicou uma lei que amplia direitos a imigrantes que aguardavam uma definição sobre a possibilidade de quem já estava inscrito na segurança social e contribuindo com a seguridade poder se servir dessa regra de transição para obter direito de residência no país.
É dar com uma mão e depois tirar com as duas. Se existem mecanismos de salvaguarda de modalidades de residência com dispensa de visto esses mecanismos devem de ser respeitados, principalmente pela autoridade policial, que se encontra a serviço do estado.
No caso de Jessika, há 12 dias que se encontra presa no centro de detenção em Bruxelas. E pasmem, junto com ela há outras meninas presas há mais de 5 meses, algumas inclusive, segundo relato de Jessika, que pediram asilo, situação que nem de longe não se aplica a brasileiros.
Não pensem que Jessika ficou detida no aeroporto. A chegada à Bélgica foi livre de qualquer embaraço. Ela foi abordada na rua, por uma autoridade policial. Tal como tem acontecido em Portugal como rotina. Da mesma forma, muitos imigrantes são abordados e detidos europa a fora, e ninguém fica sabendo, porque os jornais não tomam conhecimento do assunto, diferente do que aconteceu hoje, em que a comunicação social estava atenta e pode noticiar o triste ocorrido.
Numa conversa com outra detenta, Jessika foi orientada a ligar para essa advogada que vos escreve, numa cena beirando a clandestinidade, num telefone emprestado, e num choro contido, porque diz não haver mais lágrimas a chorar. Já lhe secaram de tanto sofrimento. Falar do assunto lhe traz todo o terror à mente. Já está sofrendo fisicamente os danos desse trauma ainda presente.
Quero ajudar Jessika, e estou movendo os meios para isso. Mas também quero que o relato dessa jovem sirva de alerta para muitos de vocês, que acham que está tudo bem ser imigrante irregular no território, que está tudo bem "passear" pela Europa enquanto ainda não é portador de uma autorização de residência.
Jessika já foi avisada que ficará impedida de retornar à Europa nos próximos anos, pena essa que pode ser de até 5 anos. Seu nome já vai constar do SIS (Sistema de Informação de Schengen) e com isso ficará disponível à consulta também em toda união europeia e espaço EEE (Espaço Económico Europeu).
Alerto sobre esse risco em muitos dos meus posts, inclusive no mês passado essa coluna mencionou o aumento do rigor no controle de fronteiras terrestres imposto pela Alemanha e que tal postura seria acompanhada pelos demais países circundantes, principalmente Bélgica, Holanda e Áustria. Leia aqui se ainda não se interou dessa notícia.
Há um ditado que diz: Quem não escuta "cuidado", escuta "coitado".
Queria eu que Jessika tivesse lido a matéria e tomado consciência do risco. Jessika hoje diz que queria também. Ao final da ligação perguntei seu sentimento em relação a tudo isso: Arrependimento!
Que essa história lhes sirva de alerta. Enquanto não conseguimos fazer com que o governo português cumpra sua parte, que é agir com diligência no tratamento dado aos imigrantes, que sejamos nós a ter cautela.
Vamos orar pela Jessika, lhe enviar energias positivas, não somente à ela mas à todas as demais pessoas detidas, tanto no dia de hoje em Portugal, como pela Europa toda, é o que nos cabe fazer como cristãos.
Dra Priscila Corrêa, Advogada Especializada em Direito Internacional Privado sempre a serviço do imigrante.