Opinião: uma tempestade está se formando no horizonte
Será que as entidades de fiscalização do trabalho estão devidamente treinadas para distinguir as situações de quem está irregular por falta de organização do governo daqueles que de fato estão ilegais no país?
Texto: Dra. Priscila Nazareth Correa, advogada e especialista em Direito Internacional
Passaram poucos dias e já se fala em mudança no Decreto-Lei 37-A/2024, o tão polêmico decreto de apenas três artigos, mas que, na sua pequenez de palavras, promoveu uma reviravolta na política de imigração no país.
Em declarações, o presidente Marcelo Rebelo já adota uma visão flexível ao dizer que espera que o fim das manifestações de interesse assinado na noite do dia 3 de Junho não precisa de ser um "para sempre". Ao acenar para essa possibilidade, o presidente dá a entender que após a solução das 400 mil pendências da AIMA a mobilidade e a flexibilidade podem voltar à cena.
Marcelo deve ter acionado a memória pré-covid e relembrado que afinal as MIs funcionavam bem. Ora, será que a culpa foi do vírus? O SEF interrompeu o atendimento, sem dar soluções tecnológicas que hoje vemos serem possíveis desde aquela época, como agendamento automático, pagamento antecipado, análise digital de documentos entre outras. Afinal, esse atraso de 4 anos na modernização do sistema é de fato a causa raiz de todo esse caos.
Sua postura parece mais a do rei que não respeitou o velho conselho real de nunca tomar decisões sem refletir ao menos por um dia. Tudo sempre fica mais claro no dia seguinte, já diziam os sábios.
No dia seguinte, à esquerda vociferava palavras malditas sobre o decreto-lei. E do lado oposto o partido chega acenava com pedidos de ainda maior rigor. E a Iniciativa Liberal se dizia feliz com a decisão tomada. Partidos à parte, faltou sim pontos importantíssimos a serem definidos, não há como negar. Uma lei aberta gera querelas na sociedade. E onde essas querelas se resolvem? Nos tribunais, e por falar nisso...
No meio da mudança nasce a ideia de um novo tribunal especializado, que tratará de imigração, com a promessa de iniciar os trabalhos em pouco meses. Nesse mesmo tribunal serão examinados os casos de asilo, regularização de residência e de expulsão. E pensar que tudo isso nasceu desses 3 artigos da DL 37-A/2024, publicado às dez da noite de uma segunda-feira.
Fica aqui uma dúvida do tamanho de uma montanha: Senhores Governantes, Presidente da Aima, Ministro da Presidência, Primeiro Ministro e Diretor da ACT, como será aplicado o art 185-A da Lei 23/2007, dispositivo que trata das penalidades aos empresários que empregam mão-de- obra sem residência no país? Lembramos que mesmo após 2017, após a criação da Manifestação de Interesse esse artigo nunca foi revisto, daí todo o receio dos empresários em empregar estrangeiros, mesmo quando era permitido, dado que a pena é de 1 a 2 anos e multa de até 480 dias.
Com o novo cenário torna-se ainda mais imperioso fazer a devida adequação do artigo com a disposição transitória em relação aos empresários que já empregam os ditos 400 mil imigrantes cujas residências estão pendentes de emissão.
A manifestação de interesse foi extinta, sabemos nós. Será que as entidades de fiscalização do trabalho estão devidamente treinadas para distinguir as situações de quem está irregular por falta de organização do governo daqueles que de fato estão ilegais no país? Uma tempestade está se formando no horizonte...
Será que não faltou uma alteração no decreto regulamentar 84/2007, ou uma norma acessória que pudesse clarear essas e outras questões? A Assembleia da República precisa tratar disso! Como se Portugal já não tivesse problemas suficientes com a diferença de tratamento dada pelos órgãos públicos a situações idênticas. Como eu sempre digo, a legislação desse país é uma montanha-russa de emoções. Vamos aguardar os próximos capítulos dessa novela!