Opinião. Portugal: entre o preconceitozinho e o preconceitozão
"Será que, tal como as pessoas, os preconceitos também se medem aos palmos? Será que há preconceitos pequenos e preconceitos grandes?"
Texto: Diogo Batalha
No último Dia Internacional do Imigrante, fomos presenteados com um relatório inédito da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) sobre a percepção dos portugueses acerca da imigração no país. Um trabalho muito importante para guiar as políticas de inclusão em todo o território nacional.
E, por falar em política pública, diria que há sempre duas formas de um governo tratar o imigrante:
Pode-se fazer como o município do Fundão, que faz um projeto reconhecidamente premiado de inclusão das 74 nacionalidades que lá vivem.
Ou pode-se fazer como, recentemente, no Martim Moniz, onde trataram os imigrantes sem qualquer forma de discriminação: todos eram igualmente suspeitos e deveriam se encostar à parede para serem revistados.
Mas a questão é que, enquanto lia as notícias dos dados da FFMS, percebi que há uma espécie de “hierarquia do preconceito” entre quem é mais bem-vindo no país. Se fosse uma escada para entrar num avião só de ida, os cidadãos do subcontinente asiático estariam no topo. Os brasileiros, ao meio. E os africanos ao pé da escada.
Este pódio não é nenhum motivo de celebração.
Comecei a pensar no que cria esta “hierarquia”. Será que, tal como as pessoas, os preconceitos também se medem aos palmos? Será que há preconceitos pequenos e preconceitos grandes?
Pode ser que exista o “preconceitozinho”.
O preconceitozinho deve ser aquele mais fofo. Educado. Polido. Um primor de boas maneiras. Ele vem num tom amigável, com aquele sorriso envergonhado que pede desculpas enquanto crava a faca:
“Olha, nada contra brasileiros. Até tenho amigos brasileiros. Mas acho que já está a ficar exagerado, não achas?”
O preconceitozinho não grita. Sussurra. Ele aparece no dia a dia, no café da esquina, no post nas redes sociais de quem acha que você até pode estar ali, mas não deveria. Ele é tão simpático que quase tenta te convencer a agradecê-lo por você estar sendo “colocado no seu devido lugar”.
E, se calhar, há o “preconceitozão”. Este, deve ser aquele mais bruto. Mal-educado. Que grita na cara:
“Os brasileiros estão a invadir Portugal. Tiram os empregos. Sobrecarregam os hospitais e a Segurança Social!” – mesmo que tudo isto seja mentira. Mas, como um bom preconceito, ele não se importa com as mentiras que conta.
O preconceitozão é o elefante com patins na loja de porcelanas: destrói tudo por onde passa. Fala alto. Faz manchete. Não precisa de rodeios, porque ele é a avalanche que passa por cima do debate, da reflexão e da humanidade.
Agora, talvez seja esse o truque: um não vive sem o outro.
O preconceitozinho faz a cama e põe a mesa. E o preconceitozão vem para o jantar. O preconceitozinho é a desculpa civilizada. O preconceitozão é o soco na cara.
Mas eles sentam na mesma mesa. Andam de mãos dadas. Só mudam o figurino da linguagem.
E não venha você dizer que o preconceitozinho não é tão mau assim. Que ele é diferente. Que, coitado, é só uma opiniãozinha inocente. Uma preocupaçãozinha. Porque é ele que constrói, pedra por pedra, o caminho por onde o preconceitozão desfila.
Quando alguém diz o preconceitozão “Estes imigrantes deveriam voltar para o seu país!”, quem você acha que pavimentou a estrada para esta banda passar cantando coisas de amor?
“Ah, mas os brasileiros são diferentes dos Nepaleses. São mais próximos. Somos quase-irmãos.”, alguém pode dizer.
Pois é. E, ainda assim, parece que o povo brasileiro carrega marcado na testa este carimbo de “quase”. Quase iguais, quase falam português, quase pertencem à nossa cultura.
A questão é que, seja preconceitozinho ou preconceitozão, a mensagem é sempre a mesma: “Esta não é a tua casa. És só uma visita.”
O povo português não pode olhar para os imigrantes como se nunca tivessem emigrado. Ou como se não houvessem se espalhado por França, Canadá, Luxemburgo ou Brasil. Estes emigrantes certamente enfrentaram os seus próprios tipos de preconceitos e sentiram as suas próprias saudades.
Esta pesquisa da FFMS foi um grande passo para termos uma ideia do tamanho do abismo. Mas é preciso, antes de tudo, saber encarar o abismo.
O que posso garantir é que, não importa o tamanho do preconceito. Ele é sempre veneno.
Se vem disfarçado de gentileza ou de agressão, o efeito é o mesmo. Quem o profere, seja qual for a forma, espalha apenas destruição. Não importa se ele mata a nossa humanidade, devagar, devagar, devagarinho, ou de uma vez só. Não há atenuantes.
O resultado é sempre o mesmo: ele é capaz de fazer uma sociedade inteira adoecer.
Diogo Batalha é redator há quase duas décadas (e desde 2015 vive em Portugal). É aracajuano desde que nasceu e detesta que não saibam onde Aracaju fica no mapa. Pai de uma pequena portuguesa, tenta achar palavras para explicar até mesmo o que ainda não consegue compreender.