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"Mãe, eu dei o linguado". Assim surgiu o irônico dicionário pt-br de Mário Prata
Foto: arquivo pessoal

"Mãe, eu dei o linguado". Assim surgiu o irônico dicionário pt-br de Mário Prata

Em entrevista ao DN Brasil, escritor fala das vivências em Portugal, das novelas brasileiras e dos novos projetos.

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por DN Brasil

Texto: Paulo Markun

Mário Prata, 78 anos, nasceu em Uberaba, Minas Gerais, mas se entende como cidadão de Lins, no interior de São Paulo. Escritor, dramaturgo, jornalista e cronista brasileiro, produziu mais de três mil crônicas e cerca de 80 títulos, entre romances, livros de contos, roteiros e peças teatrais. Recebeu 18 prêmios nacionais e estrangeiros, com obras reconhecidas no cinema, literatura, teatro e televisão. Na literatura, começou com um suposto dicionário de português, o Schifaizfavoire, marcado pela ironia. A mesma ironia que perpassa essa conversa ao DN Brasil.   

Qual foi a última vez que veio para Portugal?   

Em 2019, antes da pandemia. Fui a Óbidos. O Antônio (Antônio Prata, filho e escritor também) foi convidado para o Festival de Literatura de Óbidos. E me deu um presente - um presente e, ao mesmo tempo, me contratou como guia. Fomos lá comer um leitão e essas coisas. 

O que notou de diferente?  

As roupas das pessoas, que ficaram coloridíssimas, lindíssimas. Há 30 anos, eram cinza. Não havia nem calça jeans em 1990. O segundo espanto foi as pessoas estarem na rua de noite - e muito. No Chiado, em 1990, às 22h já não tinha ninguém na rua. O café A Brasileira fechava antes das 23h. Agora tem um burburinho europeu naquelas ruas, naquelas descidas dali. Ou seja, em 2019, eu estava na Europa... Estava em Barcelona, estava em Paris, sem exagero. 

Que outras mudanças presenciou?  

Em 1990, a Alemanha estava dando 50 bilhões de dólares para Portugal, a fundo perdido, dinheiro que foi transformado em belíssimas rodovias, que estão aí até hoje funcionando e continuam belíssimas, são trabalhos bem feitos. Se fizer a proporção de 20 vezes a população do Brasil, é como colocar dois trilhões de dólares para a nossa população. Naquele tempo, observei três coisas: os casais se separando, porque dinheiro traz infelicidade matrimonial, disso eu sou testemunha. A terceira coisa foi que todo mundo começou a dirigir automóvel - e a baterem os carros, um atrás do outro. Era o mais normal. Quanto aos brasileiros, cheguei no auge da guerra dos dentistas. E isso, posso garantir para você, se estendeu a qualquer área, incluindo os travestis, eles acharam que nem travesti brasileiro servia e começaram a virar travesti. Eu não fui para Portugal para trabalhar. Fui atrás de uma namorada. Mas estava passando uma novela aí minha da TV Manchete, Helena, uma adaptação do Machado de Assis, que ganhou o prêmio de melhor novela de época. Aí alguém descobriu, não sei quem, e me convidaram para fazer um filme em Cabo Verde, O Testamento do Senhor Nepomuceno (direção Francisco Manso, 1997). Ganhou o primeiro lugar no festival de Gramado, na época em que havia filme estrangeiro concorrendo. Ganhou melhor roteiro, eu vou deixar à parte minha modéstia, mas não foi pelo meu roteiro, é que a história era um romance do então desconhecido Germano Almeida, que veio agora, em 2018, a ganhar o prêmio Camões, um ano antes do Chico Buarque. Depois disso fui chamado para a televisão, a RTP. Mas o trabalho que fiz para eles nem rodaram, acharam um horror, foi muito desagradável.  

Não teve nenhuma novela realizada aqui?  

Não, só fiz um programa de televisão. Foi horrível o resultado. Foi muito ruim, é um negócio abusado. Giras e pirosas. Você acha isso no Google, porque eu já achei, vi alguns, é um horror. Estreou no domingo à noite na SIC.  

Mas as novelas brasileiras mexeram muito com a novela portuguesa, não é?  

A novela brasileira foi uma aula para quem queria fazer novela. Foi importante para a dramaturgia portuguesa, o trabalho dos brasileiros. 

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Como teve a ideia de escrever Schifaizfavoire

Eu já tinha quase 50 anos e não tinha escrito nenhum livro. No dia em que eu cheguei, a filha dessa minha namorada, de 13 anos, que foi junto com a mãe e com a avó buscar a gente no aeroporto, disse: "Mãe, eu dei o linguado.” O que é linguado? Fiquei espantado e escrevi a definição no meu computadorzinho Toshiba - beijo de língua. Não tinha ideia de fazer um livro, não tinha intenção de fazer um dicionário, quem sou eu? Eu queria contar as historinhas através dessas palavras. E aí, no final, quando terminei os trabalhos todos, aproveitei esses três meses para pesquisar, ia a um restaurante, via o nome de comida, o nome de legumes. Só não consegui descobrir o que era alfacinha.  

Qual foi a reação quando o livro saiu, afinal? 

Teve um rebuliço em Portugal, com uma certa razão, pois eu estava com um pouco de rancor do pessoal. Vendeu muito - e ainda vende no Brasil. Quando eu mudei para a editora Planeta, incorporei as observações de um importante intelectual português (José Blanco, na época diretor da Fundação Gulbenkian), que mandou uma carta fazendo umas indicações, corrigindo alguns erros. Foi muito simpático. Fiquei muito contente que uma pessoa do nível dele, intelectual dele, tenha gostado tanto. E me puxou a orelha. Falou o que estava errado, o que estava certo. Coloquei tudo no livro. 

De alguma forma, pelos outros livros seus que eu li, seus, essa pegada do Schifaizfavoire acabou desenhando um caminho de escrita para você, em que o humor faz parte. 

Foi esse meu primeiro livro de verdade (fiz outro no tempo da faculdade) e deu muito certo. E já pensei em outro, em seguida, um livro de provérbios inventados. O primeiro romance comecei a escrever depois, quando fui cronista no Estadão e quase impus que queria escrever um folhetim. Tinha feito muito teatro, tinha feito novela, tinha experiência de diálogos e tal. E fiz um folhetim lá, em 1994. (James Lins, o Playboy que (não) Deu Certo)  

Tem outra experiência, precursora, a de escrever um livro online, ao vivo, e a cores na internet. Que resultado deu?  

Foi um sucesso internacional. Estávamos em 2000, não tinha Google, não tinha WhatsApp, nada disso. E me deu uma vontade de escrever esse livro, porque vi que estava todo mundo fazendo site para a internet, ganhando dinheiro. Foi o grande boom da virada do século. Muitas pessoas perguntavam como eu escrevia. Pensei, pô, podia escrever na internet um troço aqui e lá em Portugal, por exemplo, na mesma hora, alguém veria as letrinhas aparecendo na tela, veria eu apagando, veria eu mudando a letra, e onde eu até pudesse conversar com esse povo. O Fernando Moraes estava morando na França, me telefonou e falou assim: “Prata, o Lula esteve aqui (na época, Lula estava quase eleito) e saiu um quarto de página no Liberation. Saiu um quarto de página. Esse troço que você está fazendo deu meia página do Libération. Mais do que o presidente Lula. O livro chamava Os Anjos de Badaró. 

Quem o acompanhava pela internet? 

Muitas meninas, muitos dos meus leitores e espectadores de teatro. Acabei descobrindo que essa turma tinha um chat toda noite, falando do livro, falando de mim. Os Anjos de Prata. Entrei lá e falei: “Gente, aqui é o Mário Prata...” E ninguém falou nada. Continuaram conversando. Não acreditaram. Aí eu entrei e falei: “Gente, eu queria participar, vocês estão falando dos livros, do meu trabalho”.  Aí uma menina falou: Você é o quinto Mário Prata que aparece aqui hoje.” Comecei a frequentar aquele chat, mas toda vez que eu entrava, me chamavam no reservado para fazer um teste comigo. Eram 14 mil que se encontravam todas as noites. Houve até três ENAP, Encontro Nacional Os Anjos de Prata. Me convidaram, eu não fui. Teve inclusive um INAP lá na Nova Zelândia, pegando gente do Japão, Nova Zelândia.  

Escreve por prazer, ou sempre escreve com o taxímetro ligado sempre?  

Vendi um apartamento, estou tranquilo por um tempo, mas tenho três projetos. O caso de um primo irmão meu que, pressionado pela ditadura, ou torturado pela ditadura, entregou um cunhado e, a partir disso, morreram 23 pessoas. Disso quero fazer uma peça de teatro sobre uma mulher com Alzheimer - tive muitos casos na família, de mulheres sempre - e que tem esse subtexto do meu primo. Falta conversar com os parentes. A outra história, que se passa na época de Jesus, é sobre a criação do logotipo cristão. O maior logotipo do mundo. Qualquer criança de dois anos desenha. Eu queria fazer um negócio de marketing da turma de Jesus 

E o terceiro?  

Um livro, não sobre, mas que contenha o chamado politicamente correto. Quando isso surgiu, lá atrás, eu falei, vai dar merda, vai dar merda. No meu último livro, queriam que eu trocasse índio por indígena, me recusei. Disseram que seria processado, eu falei que pagaria a conta. A nossa ministra Anielle Franco, irmã da Marielle Franco, disse que falar em buraco negro é racismo. Pois é. Daqui a pouco, se alguém usar a expressão “esclarecer isso”, não pode. Porque esclarecer seria tornar claro, isto é, branco. Onde vamos chegar?  

Para encerrar, a conversa, como convive num país tão crispado?  

Deixei Florianópolis e voltei para São Paulo, onde tenho motivos fortes para estar - seis netos, três filhos e quatro irmãos - quando eu vivia sozinho lá, mas porque em Florianópolis a conta fecha em oito a dois, aqui em São Paulo é cinco a cinco. Falo de bolsonaristas e não bolsonaristas. Estou no lucro, vindo para São Paulo. Sinto isso no bar que frequento, na fila de cinema. Agora, ser considerado comunista, um dos dois comunistas, em dez, é fogo. Você não pode nem responder que você apanha, você não pode nem propor.  Estava muito difícil me ver lá. Lá no meu apartamento em Florianópolis, colocaram uma tarja vermelha na porta da minha casa. Lembra dos judeus? Colocaram uma pequena tarja vermelha na minha porta. Na hora que eu vi aquilo, pensei que poderia chamar a Globo, a Folha, tenho amigos nos lugares todos. Agora vou comprar uma briga com um condomínio inteiro? Quando eu resolvi me mudar, encontrei com o Antônio, fomos numa churrascaria com o Antônio e a namorada. Era o dia 8 de janeiro de 2023, o famoso 8 de janeiro. Eu estava falando para o Antônio que os bolsonaristas estavam nervosos, mas previ que aquilo ia durar pouco. Foi quando a mãe dele, a Marta (Marta Góis, jornalista) ligou e pediu para irmos para casa e ligarmos a TV. Estavam invadindo tudo. Tinha muita gente de Florianópolis. Entre os presos e inclusive gente que financiou. É muito triste isso. 

dnbrasil@dn.pt

Este texto está na edição impressa do DN Brasil de segunda-feira (4), junto com o Diário de Notícias.

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