Como aprender a "pertencer" a um novo lugar? Espaço e memória podem ajudar imigrantes
A escritora Cristina Fontenele reúne entrevistas com brasileiros imigrantes na Europa, além das próprias vivências, em livro. Em entrevista ao DN Brasil, reflete sobre o que pode ajudar no processo de adaptação.
Texto: Caroline Ribeiro
Qual é o "lugar de pertencimento" do imigrante? Para quem resolve mudar de país, o esforço de adaptação é exigente. Pode ser mais fácil para alguns, mais difícil para outros, mas encontrar o lugar de pertencimento é algo indispensável para quem deseja seguir a vida fora do ambiente onde nasceu ou cresceu.
Aqui, não se trata de contexto geográfico. São questionamentos sobre identidade. Onde o imigrante se encontra? Onde se reconhece? Como conseguir pertencer? A escritora e jornalista cearense Cristina Fontenele tem estudado respostas para estas perguntas. Radicada em Lisboa desde 2018, encontrou nas próprias experiências a inspiração para contar histórias de quem busca pertencimento no lugar que escolheu para viver.
Cristina é autora de Um Lugar Para Si - Reflexões Sobre Lugar, Memória e Pertencimento. Lançado em 2017, o livro reúne entrevistas com brasileiros e outros imigrantes estrangeiros residentes em Portugal, Suíça, França, Inglaterra, Holanda, Alemanha e Itália, além das vivências da própria escritora.
Cristina apresentou o livro durante um debate na Feira do Livro de Lisboa, que decorre até o próximo domingo (16). Durante o evento, ouviu depoimentos de imigrantes que estavam na plateia e compartilhou suas percepções sobre o tema.
"Segundo as minhas pesquisas e a forma como eu escrevi o livro, com entrevistas, o lugar de pertencimento é uma construção contínua, porque a nossa própria identidade está em permanente construção também. Passa pela ressignificação das experiências, pela apropriação do espaço e pela memória", diz Cristina em entrevista ao DN Brasil.
"A forma como a gente vive a nova cidade importa muito. Você precisa se apropriar do espaço e criar vínculos. Segundo alguns estudiosos, a memória pode ser útil ou inútil, quando atrapalha na adaptação. Tenho o caso de uma imigrante que precisou romper com os laços para se abrir. Enquanto estava mais presa ao país anterior, não conseguiu se abrir para o novo. Mas pode ser útil, pois nos fortalece. A comida, por exemplo, é memória útil e parte do pertencimento. O imigrante vivencia esse momento de afeto ao ter uma refeição típica da sua região, se fortalece, e consegue se abrir pra viver o novo", reflete a autora.
Três dicas para aprender a "pertencer"
Cristina lembra um ponto importante. "O nosso recorte no livro e nessa conversa é o de pessoas que migraram por opção. Elas podem até ter vindo em busca de mais segurança, mas não vieram fugidas ou deslocadas".
Dentro desse recorte, a escritora elenca o que pode ajudar na construção do pertencimento e facilitar a experiência de adaptação em um novo país.
- Moradia
"Quando a gente muda, o lugar que habitamos é um ponto muito importante de quilibrio. Seja uma casa, um quarto em um apartamento dividido. É o seu espaço, o lugar onde você se sente seguro. Ter esse ponto de apoio é muito importante".
- Planejamento
"Ter esse espaço seguro passa pelo planejamento. Antes, é preciso já analisar as possíveis dificuldades que você vai enfrentar. Isso vai facilitar. Se você não tem um local, ou acesso a serviços básicos, o seu lado emocional vai ser afetado".
- Trabalho
"É o nosso propósito. Também é uma forma de pertencimento. É o que nos dá sentido no mundo, seja no nosso país de origem ou aqui. Até no nosso país de origem, se estivermos sem trabalho ficamos perdidos".
Ao refletir sobre o essencial para uma boa construção do seu novo lugar de pertencimento, a escritora ressalta que os imigrantes estão sempre mais sujeitos aos efeitos das crises existentes no novo país. No caso de Portugal, por exemplo, as questões ligadas à habitação têm sido um problema que impacta a vida de todos, portugueses e estrangeiros.
"Existe muita desinformação e insatisfação com o contexto geral. O Governo, recentemente, destacou que é preciso desassociar os discursos, como o da criminalidade, da presença dos imigrantes. A extrema-direita está usando as redes sociais com discurso desinformativo, que é exatamente usar os imigrantes como responsáveis pelas crises que o país enfrenta. Na habitação, saúde, aumento de preços. Mas sem a imigração, na verdade, nada nesses setotes seria viável", afirma a autora.
Em Portugal, o livro Um Lugar Para Si está disponível no estande da Saudade Distribuidora na Feira do Livro de Lisboa. Fora do evento, pode ser adquirido como e-book pelos sites da Fnac e da editora Bertrand.
caroline.ribeiro@dn.pt