Livro sobre a última entrevista de Brilhante Ustra, coronel da ditadura brasileira, é lançado em Portugal
Vai ser lançado em Lisboa, no próximo dia 26, o livro 'Confissões de um torturador: a última entrevista do coronel Ustra', durante o painel 'Memória, verdade e justiça nos 40 anos da redemocratização brasileira' na Casa do Brasil de Lisboa.
Primeiro militar reconhecido pela Justiça brasileira como torturador, Brilhante Ustra é, atualmente, idolatrado por parte da direita política brasileira, chegando a ser chamado de "herói nacional" por Jair Bolsonaro, quando este ocupava o posto de presidente da República, em 2019. Ustra chefiou, entre 1970 e 1974, o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo. Em 2014, concedeu uma rara entrevista, e aquela que se tornaria a última, à jornalista Cleidi Pereira, então repórter do jornal Zero Hora.
No livro de 190 páginas, publicado pela editora Insular, de Florianópolis, além do conteúdo das duas horas e meia de conversa praticamente na íntegra, Cleidi Pereira traz bastidores e reflexões.
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"Eu queria ampliar o tema. Como saiu no jornal, só a entrevista não dá toda a dimensão. Tenho depoimentos de pessoas que foram diretamente torturadas por ele. No último capítulo, tenho um resgate de todas as vítimas, mortos e desaparecidos, em que Ustra aparece como um dos responsáveis, são 60 pessoas. Também falo da tortura do ponto de vista histórico. De como a tortura foi levada para o Brasil pelos portugueses, que aprenderam com a Inquisão, a caça às bruxa", conta Cleidi ao DN Brasil.
Durante o período em que Ustra esteve à frente do DOI-Codi, conforme relatórios consultados pela jornalista, como o do 'Grupo Tortura Nunca Mais' e da Comissão Nacional da Verdade, 502 pessoas foram torturadas no departamento, com 50 assassinadas pelos agentes do órgão, sob o comando de Ustra, que morreu no ano seguinte à entrevista, 2015, sem nunca ter sido penalizado.
"Eu digo que é o mais próximo que ele já chegou de uma confissão. Ele passou a vida toda negando a tortura, mas em determinado momento ele admite o uso de interrogatórios contínuos, ou seja, a privação de sono, que é um tipo de tortura reconhecido internacionalmente. Pelo valor histórico desse material, e pelo momento que se vive, acho que a sociedade agora está um pouco mais aberta a relembrar, para apresentamors para as novas gerações, para que não se repita. A ameaça de retrocesso está mesmo aí", completa Cleidi Pereira.
O evento de lançamento vai contar com a participação dos ex-presidentes da Casa do Brasil de Lisboa, Heliana Bibas e Carlos Vianna, ambos militantes e exilados durante a ditadura militar brasileira, além de Sara Amâncio, ativista, que presa e torturada pela PIDE, a polícia da época da ditadura salazarista, que faz um paralelo com o que ocorreu em Portugal.
O historiador Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), é quem assina o prefácio do livro: “É mister considerar e assinalar que o Brasil é um país sem políticas públicas de memória, ao contrário do Uruguai, do Chile e da Argentina, antes do atual presidente, motivo pelo qual saudamos ainda mais tal livro. A inexistência das referidas políticas é suprida, em parte, por livros como este”, escreveu Krischke, referência mundial em direitos humanos.
caroline.ribeiro@dn.pt