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Greice: filme sobre imigração em Portugal dirigido por brasileiro estreia hoje em Lisboa

Em entrevista ao DN Brasil, Leonardo Mouramateus fala sobre a carreira em Portugal e seu mais novo filme, que estreia nas salas do país nesta quinta (29).

por DN Brasil

Actualizado Agosto 29, 2024

Texto: Nuno Tibiriçá

Leonardo Mouramateus ficou encantado quando entrou pela primeira vez nas instalações da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 10 anos atrás. Na época recém-chegado a Portugal para cursar o seu mestrado, o diretor de cinema nascido em Fortaleza entendeu em pouco tempo que, ali, teria um potencial cinematográfico para ser explorado.

10 anos, cinco curtas e duas longas depois, Mouramateus vê nesta quinta-feira (29) o seu mais recente filme Greice, filmado no edifício que estudou e ainda estuda - está cursando o doutorado - chegar às salas de cinema de Lisboa.

"Algo que me impressionou muito quando eu fui estudar foi, sem dúvida, aquele prédio. Aquele lugar imenso, cheio de estátuas, um lugar muito diferente daquilo que é Fortaleza. Em Lisboa, a cidade é quase toda um museu e a Faculdade de Belas Artes não é diferente, especialmente por estar na Baixa. É o único pólo universitário que fica realmente no centro da cidade", conta em entrevista ao DN Brasil. O diretor viu nas festas da faculdade um encontro curioso entre as pessoas que frequentavam o ambiente e a arquitetura e aura do edifício.

"Tinha algo que me interessava muito ali que era, ao mesmo tempo ser um espaço clássico, com estátuas, toda aquela pompa histórica, mas também frequentando por pessoas muito jovens, galera muito descolada, aquelas festas todas... sem dúvida era um ponto de partida muito interessante para uma história", diz o cearense.

Ao longo dos últimos anos, o diretor concretizou a inspiração ao conduzir Greice, sua mais recente película. Filmado em Lisboa e em Fortaleza entre 2021 e 2022, a longa acompanha a história da protagonista que dá nome ao filme, interpretada de forma cativante por Amandyra.

Greice é uma imigrante de Fortaleza que estuda na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e, após um incidente com seu novo namorado português Afonso (Mauro Soares, também preparador de elenco), um misterioso e caricato herdeiro, vê sua matrícula na universidade ser suspensa e trazer problemas à sua documentação. O medo da ilegalidade - ou mais do que isso - faz a protagonista voltar para sua cidade natal na segunda parte da longa.

Personagem que provoca na mesma medida que cativa, Greice lembra a Capitu que Luiz Tatit descreve na música de mesmo nome: "Com jeitinho, alcança tudo". Ao longo da narrativa, a protagonista, vista por sua prima Márcia (Bruna Pessoa) como uma mentirosa compulsiva, atinge suas pequenas conquistas do dia a dia com seu charme, desde a primeira cena, até as últimas, embora o tempo em Fortaleza ou em um não-lugar da cidade onde nasceu - passa a maior parte do tempo no hotel - provoque uma reflexão.

"Sou apaixonado por comédias malucas, dos anos 1930, 1940. Tem uma vivacidade e uma espécie de jogo que me interessa muito tanto como diretor como quanto espectador. E a Greice nasce de uma espécie de modelo que é aquela garota que encanta as pessoas e que seduz através da lábia, algo que estava em atrizes como Barbara Stanwyck ou Katharine Hepburn", afirma Leonardo.

Greice (Amandyra) com Afonso (Mauro Soares). A protagonista divide seu tempo entre a faculdade e dois trabalhos: um enquanto assistente de uma cantora e outro em um quiosque no centro de Lisboa. Foto: Divulgação

Com fotografia e banda sonora que pouco devem a grandes produções, a trama se desenrola num ritmo que contagia da mesma maneira que as atuações da Greice de Amandyra e de sua melhor amiga e colega de casa em Lisboa, Alice (Luara Raio). Enrique (Dipas), funcionário do hotel onde Greice se hospeda em Fortaleza e com quem a protagonista se envolve, é outro elemento que, sereno, bem-humorado e multifacetado, dá "graça à Greice", trocadilho feito por José Geraldo Couto no blog de cinema do Instituto Moreira Salles (IMS), de São Paulo.

Acima de tudo "Greice", o qual Mouramateus faz questão de afirmar ser um filme português, configura uma espécie de "cinema estranho", que, como vê o diretor, é um traço característico das produções lusitanas. "Eu tenho noção de quanto o cinema português em influenciou e é um dos motivos por eu estar aqui em Portugal. Eu sou muito devedor dos trabalhos de diretores como Manoel de Oliveira, do António Reis, do João César Monteiro, da Suzana Sousa Dias, que é minha orientadora de doutorado, Pedro Costa", cita.

Para o brasileiro, os diretores citados são muito importantes. "Todos esses diretores eu vi na minha faculdade ainda no Ceará, já vim para cá conhecendo o trabalho deles, foram muito importantes para minha trajetória. E acredito que a especificidade de Portugal sempre foi justamente fazer um cinema estranho, algo que acredito estar ficando mais raro", explica.

O cantor cearense Dipas interpreta Enrique na longa de Mouramateus. Fotos: Divulgação

Embora inserido no gênero de comédia, assim como vê o próprio diretor, Mouramateus, da sua vivência enquanto imigrante em Portugal, traz à sua película constrangimentos familiares aos brasileiros que aqui vivem. A xenofobia velada no personagem de Afonso e no tribunal e a temida burocracia portuguesa são elementos presentes na longa que, para o imigrante mais aflito, já se prova como uma ficção logo nos primeiros cinco minutos, quando Greice, consegue, de fato, falar com um atendente do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Algo que, hoje, beira o impossível na vida real.

Em Greice, o familiar para o espectador imigrante em Portugal é uma contradição no significado da palavra, de quem aqui chega e se depara com o novo e o estranho. A narrativa de Mouramateus faz com que este espectador se sinta identificado e intrigado no decorrer da película, muito por conta da criatividade do diretor, embora o mesmo seja modesto neste sentido.

"Acho que sou uma pessoa com uma imaginação bastante limitada ou talvez só me interesse em trabalhar aspectos ou qualidade narrativa que estão presentes em minha vida e a partir destes aspectos, construir outras coisas. Greice é um exemplo disso, sem dúvida", completa.

Ainda em cartaz no Brasil, "Greice" estreia no circuito comercial português nesta quinta-feira (29). Em Lisboa, o filme estará em exibição no Cinema City de Alvalade - veja programação aqui. Produzida pela Ukbar Filmes, a longa este ano foi exibida em festivais como o IndieLisboa e o Festival Internacional de Cinema de Roterdã.