Jovem angolano atrai atenção de milhares com vídeos sobre idioma nativo e português do Brasil
Geovany Fernandes foi surpreendido pela avalanche de brasileiros comentandos seus vídeos no Youtube e Instagram. "Comecei a gravar a ensinar os brasileiros que essas palavras que eles usam, na verdade, são africanas da língua kimbundu".
Texto: Caroline Ribeiro
Eram apenas vídeos no Youtube para compartilhar curiosidades sobre o kimbundu, língua nativa da região de Luanda, em Angola, onde Geovany Fernandes nasceu. No entanto, o conteúdo caiu nas mãos, telas e celulares de milhares de brasileiros, espantados com as similaridades entre o dialeto e o português do Brasil.
"Começaram a falar 'nós usamos essa palavra'. Então eu pensei, como assim? Por exemplo, a palavra bunda, sempre ouvi minha avó usar desde criança. Então eu me perguntava como é possível uma palavra que a minha avó usava e é usada no Brasil também? A única explicação é a época da escravidão, porque muitos africanos foram levados para o Brasil", conta Geovany ao DN Brasil.
A partir daí, o jovem, que agora reúne milhões de visualizações em vídeos publicados no Instagram, começou a investigar mais. "Li a obra da Lélia González, que fala muito sobre a influência das línguas africanas no português brasileiro, e encontrei várias palavras. E comecei a gravar vídeos a ensinar os brasileiros que essas palavras que eles usam, na verdade, são africanas da língua kimbundu".
Quem acompanha o conteúdo de Geovany já sabe, por exemplo, que "cambada" vem da palavra dikamba, que significa amigo ou companheiro; "capanga" vem de kubanga, que quer dizer lutar; e "babá" vem do verbo kubaba, que significa acalentar.
Origens
Geovany vive, atualmente, em Londres, onda estuda ciência de dados, mas cresceu em Portugal. Toda a família se mudou de Luanda para Lisboa quando o jovem tinha apenas nove anos. Até essa idade, Geovany convivia diariamente com uma das avós, que só falava kimbundu. Foi assim que ele aprendeu.
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Longe do país de origem, já adulto, Geovany percebeu que estava perdendo o contato e a lembrança da língua nativa da avó. Também entendeu que, no geral, os dialetos originários de muitas localidades em Angola foram sendo deixados de lado por culpa do preconceito instaurado na época da colonização por Portugal.
"Existe uma certa ignorância do Governo com as línguas nativas e existe também um certo preconceito na sociedade angolana em achar que pessoas que falam as línguas nativas são pessoas atrasadas, pessoas evoluídas falam apenas o português. Durante o tempo colonial, era proibido falar as línguas nativas. Para você ter direito a estudar, a ter um cargo público, tinha que falar apenas português, tinha que ser cristão, não podia comer com as mãos. Eles enviavam uma pessoa para averiguar, na sua casa, se você reunia as condições para poder ter um documento para ir para a escola. Então, as nossas avós, na época, não ensinavam aos filhos as línguas nativas, só ensinavam português, porque elas queriam que o filho tivesse oportunidades, que fosse alguém no futuro. Do tempo colonial, isso foi arrastado até hoje, ainda há muito preconceito, mas tem melhorado", conta Geovany.
O interesse principalmente de brasileiros e de outros angolanos pelo kimbundu deu novos contornos aos objetivos de Geovany com o compartilhamento de conteúdos nas redes sociais. "Eu comecei a dar aulas recentemente e, em breve, irei criar uma plataforma, um site. Porque o número de seguidores aumentou tanto que eu não consigo dar aula para todo mundo", conta sobre o próximo projeto.
caroline.ribeiro@dn.pt