Foi vítima de discriminação, racismo, xenofobia? Saiba como denunciar
"Duas semanas atrás, ouvi um 'volta pra tua terra' acompanhado de 'se fossem homens partia-vos a cara' depois de defender uma outra mãe brasileira. E como fazer uma situação como essa entrar para as estatísticas? Denunciando".
Texto: Caroline Ribeiro
Casos recentes de preconceito e discriminação contra imigrantes e pessoas racializadas têm chamado a atenção para uma realidade preocupante em Portugal. O discurso de ódio parece que está sempre na ponta da língua daqueles que não entendem que este é um país que precisa de nós.
Digo-o sem medo: sem imigrantes, Portugal não funcionaria. Estamos em todos os setores, todas as áreas profissionais, enriquecemos este país com dinheiro, com arte, com inteligência, com filhos. Sim, este país precisa de crianças. E não, não adianta usar o argumento de que "o Governo crie políticas de incentivo à natalidade para os jovens portugueses, que vão embora de Portugal".
Sim, há os emigrados, mas sabem quem são eles em maioria? Quem antes foi imigrante. Traduzindo: quem mais deixa Portugal, de acordo com o recente estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, é quem chegou aqui vindo de outro país e decidiu ir embora, imigrar novamente, buscando mais qualidade de vida.
Duas semanas atrás, ouvi um "volta pra tua terra" acompanhado de "se fossem homens partia-vos a cara" depois de defender uma outra mãe brasileira. Estávamos em um jardim muito frequentado por famílias com crianças quando o cão deste senhor, solto, avançou em cima do filho da outra mãe. Ela reclamou, com toda razão, já que está afixado em todos os portões do jardim que cães não podem andar sem trela. A resposta do homem foi gritar que "eu sou de cá, não fales comigo assim".
O show de horrores durou horas. Depois de nos ofender e ameaçar, o homem não resistiu à chegada da polícia, corretamente acionada pela mãe do menino atacado. Deitou no chão gritando que tinha problemas de tensão. Depois, foi racista com o único negro entre três policiais. Em meio a toda essa confusão, ouvi uma frase que me marcou profundamente. "Pode não dar em nada, mas quero que entre nas estatísticas", disse a minha conterrânea ao marido, português, que tentava consolá-la.
O caso de agressão no Porto, registrado dois dias atrás, me relembrou da situação que vivenciei no parque (com muito menos violência, claro). Os gritos do agressor eram no mesmo estilo, com o mesmo argumento, as mesmas frases. Não há diferença nenhuma entre eles. São todos agressores.
E como fazer uma situação como essa entrar para as estatísticas? Denunciando.
"A Constituição Portuguesa, no artigo 13, estabelece o princípio da igualdade, garantindo que ninguém pode ser discriminado com base em critérios como raça, sexo, língua, religião, território de origem, convicções políticas, dentre outros. A Lei 93/2017, de 23 de agosto, regulamenta o regime de prevenção e combate à discriminação, prevendo a aplicação de contraordenações para atos de xenofobia, que podem resultar em coimas, ou multas", explica ao DN Brasil a advogada Jéssica Oliveira.
De acordo com a advogada, existe possibilidade de prisão "para os casos mais graves" pelos crimes de discriminação e incitamente ao ódio ou à violência, definida no artigo 240 do Código Penal. "É importante ressaltar que a xenofobia pode ser tratada tanto como uma contraordenação, punida com coimas, quanto como um crime, sujeito a penas de prisão, dependendo da gravidade e das circunstâncias do ato", esclarece.
Como denunciar
"Se você se sentir vítima de discriminação por sua nacionalidade, ascendência, origem nacional, território de origem, dentre outros, pode procurar uma esquadra policial para fazer o registro da ocorrência por meio de uma participação policial, como também procurar a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), órgão especializado no combate a esse tipo de discriminação", orienta Jéssica Oliveira.
Uma queixa junto à CICDR pode ser feita, de acordo com o Alto Comissariado para as Migrações:
- Por formulário de queixa disponível online.
- Enviar participação por correio, endereçada à CICDR, para a Rua Álvaro Coutinho, nº 14-16, 1250-025 Lisboa.
- Exposição escrita com os fatos considerados discriminatórios, enviada por correio eletrónico para: cicdr@acm.gov.pt.
- Pessoalmente, em qualquer uma das entidades referidas anteriormente, e apresentar uma exposição escrita onde relate os fatos.
Os pedidos de informação ou esclarecimento de dúvidas devem ser dirigidos para o email cicdr.secretariado@acm.gov.pt.
"É importante destacar que quando você se dirigir à comissão, pode levar a participação que fez na esquadra policial. Após a análise da queixa, a comissão poderá abrir um procedimento de contraordenação seguido de um inquérito, que resultará em uma decisão", finaliza a advogada Jéssica Oliveira.
Fazer a nossa parte ajuda a embasar as estatísticas que validam tantos argumentos. Denuncie.
caroline.ribeiro@dn.pt