Feijoada brasileira tem raízes portugueses, aponta pesquisadora
A verdade é que a feijoada, onde brilham o feijão e os enchidos, já existia em Portugal muito antes de ganhar a versão tropical - hoje, aliás, bastante popular em terras lusas.
Sabia que a origem da feijoada é portuguesa? Se o leitor nasceu em Portugal, é óbvio. Se for brasileiro, nem tanto, já que o prato é um símbolo da gastronomia brasileira, em especial do Rio de Janeiro. A verdade é que a feijoada, onde brilham o feijão e os enchidos, já existia em Portugal muito antes de ganhar a versão tropical - hoje, aliás, bastante popular em terras lusas.
A jornalista e investigadora Roberta Malta Saldanha desmistifica a feijoada - que no imaginário popular de muitos brasileiros ainda é aquele prato inventado pelos escravizados da África que foram levados ao Brasil. “Não é verdadeira aquela história de que os senhores mandavam os restos dos porcos para a senzala no tempo da escravatura. Os escravizados custavam caro para ser maltratados”, explica Saldanha.
Os primeiros registros da receita da feijoada no Brasil estão no livro O Cozinheiro Nacional, que, acredita-se, foi publicado pela primeira vez em 1870. No texto, já apareciam a carne seca e o feijão preto.
A versão mais aceita, reforçada na obra de Luís Câmara Cascudo, (189/1986), um dos maiores historiadores da cultura popular e da gastronomia do Brasil, é que a receita foi adaptada com os ingredientes disponíveis em terras brasileiras, como o feijão preto e a carne seca, as duas principais diferenças em relação ao prato português.
A chef portuguesa Justa Nobre serve uma fumegante feijoada transmontana em seu restaurante O Nobre, em Lisboa, toda quinta-feira. Sem o feijão preto, a versão portuguesa leva cenoura e, nos Trás-os-Montes, couve. E atenção: couve, em Portugal, é o que os brasileiros chamam de repolho e é cozida durante o preparo. Nada a ver com a couve mineira, que é cortada fininha, refogada e servida à parte.
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De acordo com Justa Nobre, a feijoada sempre foi servida nos finais de semana em família aqui, como acontece no Brasil. “Em Portugal a feijoada é preparada com outro tipo de feijão, encarnado ou branco. Leva muitos enchidos, cujos sabores integram à receita, e demora, em média, seis horas para chegar ao sabor ideal”, relata.
O feijão com arroz diário dos brasileiros também tem um parente português: o arroz de feijão. “É um acompanhamento que costuma ser servido com pataniscas de bacalhau ou peixinhos fritos, especialmente na zona litoral que vai do Minho ao final da costa da Beira Litoral”, diz o gastrônomo Virgílio Nogueiro um dos maiores especialistas portugueses na história dos pratos e dos alimentos.
A receita, de acordo com Virgílio, incorpora feijão branco ou vermelho, chouriço de porco, de sangue e um pouco de toucinho. “O arroz carolino é cozinhado depois de adicionar água ao feijão. É possível optar entre um arroz mais seco ou malandrinho”, afirma. De acordo com o gastrônomo, os portugueses levaram outra contribuição para a doçaria, que resultou num dos doces mais emblemáticos do Brasil, o quindim.
Brisas do Lis e Quindim
As Brisas do Lis - ou do Liz -, ganham esse nome em referência ao rio Liz, que banha Leiria. Como outras tantas delícias portuguesas, fazem parte da farta doçaria conventual, cuja iguaria mais conhecida pelos brasileiros é o pastel de nata, chamado em alguns lugares do Brasil como pastel de Belém.
A tradição oral dá conta que as Brisas do Lis teriam surgido no século XVII, no convento de Santa Ana. Trata-se de uma espécie de bolo baixo, assado em banho-maria, feito apenas de açúcar, ovos, gemas e amêndoas sem pele moídas.
Foi com a receita tradicional de sua terra natal que o chef Luís Gaspar conquistou o primeiro lugar do Concurso Chefe do Ano de 2017, disputa promovida pelas Edições do Gosto. “Cresci com o hábito de comer Brisas do Lis na minha casa. Era uma tradição de família. Então, é um doce que faz parte da minha vida”, diz Luis Gaspar. Com afeição à receita, o chef conhece todos os segredos da preparação. “Os ovos têm de ser frescos e açúcar tem que estar no ponto pérola”, ensina. Outra dica é mexer a calda delicadamente ao verter na mistura de ovos e amêndoas. “O cozimento tem que ser em banho-maria, em forma untada com açúcar e manteiga”.
Como outros tantos pratos, as Brisas do Lis foram adaptadas com os ingredientes brasileiros quando os portugueses foram viver por lá. Saíram as amêndoas, entrou o coco. Os doces eram feitos inicialmente pelas mulheres escravizadas nas casas em que trabalhavam, por isso, foi batizado quindim, que significa algo como encanto ou dengo na herança linguística africana.
Na seleção dos 150 lugares de sobremesas do mundo e seus pratos mais icônicos do guia, o quindim ficou na oitava posição. Só a título de curiosidade, o primeiro lugar ficou para os Pastéis de Belém.
De acordo com o chef confeiteiro Thiago Faro, o reconhecimento trouxe ainda mais confiança no valor do que é feito na casa centenária. “Temos esse diálogo com as Brisas do Lis de Portugal, coco e um nome que remete à África. De resto, o cuidado é de qualquer receita de confeitaria: respeito às técnicas empregadas na receita e ingredientes de qualidade”.
dnbrasil@dn.pt
Este texto está na edição impressa do DN Brasil de segunda-feira (4), junto com o Diário de Notícias.