Democracia: “A variável mais fundamental é a capacidade de reação das instituições”, alertam pesquisadores brasileiros em livro
Em passagem por Lisboa para divulgar a obra, a dupla participou, juntamente com o ministro Gilmar Mendes, de um jantar-debate sobre o tema.
Texto: Amanda Lima
"Porque a democracia brasileira não morreu?" É o que respondem os pesquisadores brasileiros Carlos Pereira e André Melo, que acabam de lançar um livro com o mesmo nome da pergunta. Em passagem por Lisboa para divulgar a obra, a dupla participou, juntamente com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de um jantar-debate sobre o tema.
O evento foi realizado na noite de quarta-feira (17) no restaurante Cícero Bistrot, do empresário brasileiro Paulo Dalla Nora Macedo. Foi o segundo jantar realizado em parceria com o DN Brasil, com objetivo de discutir temas relacionados com Brasil e Portugal.
Para Carlos e André, a avaliação das democracias deve levar em conta a capacidade de reação das instituições diante dos riscos da sua destruição. "Qual é a melhor medida de qualidade democrática? De resiliência democrática? É a ofensa ou a resposta?", questionam. De acordo com Carlos, a resposta é que se deve levar em conta. "Para mim, o que é mais importante, o que a gente observa no livro, a variável mais fundamental é a capacidade de reação das instituições", explica o cientista político. O livro recém lançado está disponível em Lisboa na livraria Travessa.
Os profissionais disseram ao DN Brasil que "não houve um momento de risco" para a democracia brasileira, mas sim "estresse democrático, situações limite, tensão e muito receio". Eles atribuem esta resistência aos mecanismos previstos - e ativados - na Constituição Brasileira, criada após o fim da ditadura. Para a dupla, o sistema político brasileiro que combina presidencialismo e multipartidarismo "gera muita capacidade de proteção contra saídas extremas diante dessas situações de limite". Ao mesmo tempo, avaliam que gera "dificuldade governativa para o governo de plantão".
É o caso não só do atual governo, em que o presidente Lula tem uma minoria de deputados e senadores, mas também no governo anterior, em que Jair Bolsonaro não tinha votos suficientes para aprovação de muitas medidas. "Bolsonaro foi domesticado pelo Congresso, foi o presidente dos últimos 30 anos que menos aprovou medidas, ele não tinha capacidade de implementar a sua agenda no Congresso", diz Carlos.
O papel do STF
Além da falta de apoio por maioria no Congresso, os escritores atribuem ao Supremo Tribunal Federal (STF) a resistência da democracia brasileira. "As barbaridades que Bolsonaro cometeu foram contidas pela Corte Brasileira, pelo Congresso", explica André.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, destaca que todas as ações realizadas estão presentes na Constituição. "A Constituição brasileira é muito completa, cada artigo tem uma série de outras normas, temos ferramentas", analisa o decano.
Na visão do jurista, com o Congresso o ex-presidente tentou diálogo e uniu-se ao "centrão" por uma questão de "sobrevivência". No entanto, a posição com o Judiciário "foi de ataque", especialmente a partir da pandemia de Covid-19. "Enquanto presidente negacionista, o STF foi procurado pelos estados e municípios para poder ter regras de isolamento social e vacinas", ressalta o ministro.
Sobre este período, Gilmar Mendes contou uma passagem curiosa que presenciou com o ex-presidente Bolsonaro. O ministro foi chamado para uma reunião na residência oficial em um sábado de manhã, às 8h e compareceu. "Ele pegava o celular, abria o whats e me mostrava vídeos, dizia 'olha só, tem esse cara aqui que vai ter que fechar a lotérica' e não pode", recorda.
"Quando os assessores saíram, ele ficou falando comigo sobre como estava difícil, sobre como era atacado, da família e tal, e, lá pelas tantas, se pôs a chorar", lembra Gilmar Mendes. "Aí eu disse, 'senhor presidente, a vida é difícil mesmo". De acordo com o ministro, o ex-presidente parecia "muito angustiado".
Tirando este e outros diálogos, principalmente com interlocutores como Paulo Guedes, o decano do STF relata que a relação que travava Bolsonaro com o Judiciário era de enfrentamento. "Tanto que as pessoas passaram a nos odiar. Nas manifestações diziam que o supremo era o povo", destaca Mendes.
Em outra passagem contada pelo ministro, um advogado de um réu dos presos no 8 de janeiro argumentou que os juízes eram não eram simpáticos. "Vocês são antipáticos, ninguém gosta de vocês", relembra, arrancando risos dos participantes do jantar-debate.
Além de Gilmar Mendes e dos autores do livro, o evento conto com a presença de acadêmicos, políticos e personalidades brasileiras e portuguesas. Esta foi a segunda edição do Brasil Global uma iniciativa do DN Brasil juntamente com o Cícero Bistrot, do Paulo Dalla Nora Macedo. No mês passado, o convidado foi o sociólogo Marco Rudiger, com o tema da inteligência artificial e combate às fake news.
Paulo é proprietário do restaurante, que se tornou um ponto de encontro de autoridades dos dois países para discutir temas da sociedade e política. Já passaram pelo Cícero Bistrot um incontável número de políticos, ministros, artistas e outras personalidades.
amanda.lima@dn.pt