De Campinas para Lisboa: gerente de hotel cinco estrelas dá dicas para quem pretende trabalhar no setor
Daniela rodou por várias cidades do Brasil até chegar a Porto Santo, na Madeira. Hoje na capital portuguesa, ela fala das diferenças do trabalho na hotelaria em Portugal.
Texto: Nuno Tibiriçá
Diferentemente de muitos brasileiros que imigram para Portugal, a paulista Daniela Oliveira chegou ao país já com um trabalho garantido quando ainda estava do outro lado do Atlântico. Formada em hotelaria em Campinas (SP), cidade onde nasceu e cresceu, Daniela já havia rodado por diversos hotéis e cidades do Brasil antes de chegar a Portugal, em 2018, em um primeiro momento para trabalhar em Porto Santo, na Ilha da Madeira.
Depois de quase três anos nas ilhas, Daniela se mudou para Lisboa em 2021, cidade onde se firmou de vez no mercado português. Nesta conversa com o DN Brasil, Daniela, que hoje ocupa o cargo de gerente do Art Legacy, o único hotel cinco estrelas situado na região da Baixa, fala sobre a indústria da hotelaria em Portugal e dá dicas para quem pretende vir para cá e trabalhar no setor.
Diferenças entre clientes
O primeiro lugar onde Daniela trabalhou, em Porto Santo, na Madeira, é uma região completamente dedicada ao turismo. Mesmo que Lisboa seja uma cidade com mais negócios que a ilha, o turismo é cada vez mais uma das principais fontes de rendimento da capital portuguesa, algo diferente dos lugares onde Daniela trabalhou no Brasil.
Para a paulista de Campinas (SP), é importante ter em conta que, em Lisboa, mas Portugal como um todo, lida-se com um tipo diferente de cliente. Para entender e atender essa demanda, é preciso se adaptar. "As necessidades dos hóspedes são diferentes no Brasil e em Portugal. Apesar de um aumento no turismo no Brasil, não tem comparação com o turismo português, aqui recebe muito mais estrangeiros em busca do lazer. A não ser no Rio de Janeiro e Salvador, especialmente em época de Carnaval, a maior parte dos hóspedes do Brasil são de viagens internas e a trabalho. Aqui é preciso saber orientar os hóspedes na questão do lazer", pontua Daniela.
Enquanto no Brasil, a formação de equipes eram feitas para o atendimento ser mais rápido e automatizado, em Portugal é o contrário e é preciso investir para passar mais tempo com os hóspedes. Para isso, é preciso estudar sobre o local onde está inserido: a história, a cultura e os principais atrações turísticas das imediações do estabelecimento.
"No Brasil é mais voltado para ajuda com transportes ou vez ou outra aquele pedido extravagante de um hóspede, como um helicóptero privado. Aqui é muito mais voltado sobre dicas de restaurantes, história de Lisboa, etc. Fazemos uma formação especial para isso, mas se a pessoa tem interesse nessa parte, é mais fácil", afirma.
No Art Legacy, uma das iniciativas de Daniela e do diretor Carlos Faustino foi introduzir walking-tours comandados pela equipe do hotel. Para Daniela, a media ajuda a integração dos trabalhadores - a maioria deles imigrantes - com a cultura do país, ao mesmo tempo que fornece as atividades de lazer necessárias para o atendimento dos hóspedes.
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Planejamento
Daniela reconhece que ter chegado a Portugal já com tudo tratado, especialmente o trabalho garantido, é uma mais-valia que muitos não tem. Quando chegou a Lisboa, no entanto, ela teve que ir atrás de outros trabalhos, mas já pesquisando antes, sendo essa a primeira dica que dá no quesito planejamento. A paulista recomenda que a pessoa interessada em trabalhar na área de hotelaria já chegue com uma ideia do que terá pela frente e com atenção de que, chegar em Portugal, é chegar em um país com outra cultura.
"É parecido, mas não é a mesma coisa. Tem que estar aberto a se adaptar a uma nova cultura, uma forma diferente de tratar e gerir pessoas. E é sempre bom vir com algum cochãozinho guardado, enquanto não tem trabalho, para evitar o desespero. Ouvimos muitas histórias tristes de quem só chega aqui sem muita ideia do que terá pela frente e acaba por se dar mal", alerta.
Outra coisa que recomenda, isso como um todo para qualquer brasileiro que pretenda trabalhar em Portugal, é que, se possível, vir acompanhado. Daniela acredita que os primeiros tempos após imigrar são os mais complicados e os quais definem se a pessoa fica ou não fora do país de origem.
"O primeiro ano é o mais difícil, especialmente sozinho. É quando você realmente vê se vai conseguir aguentar o rojão quando tem ocasiões de aniversário da família, primeiro natal e ano novo fora, primeiro Carnaval fora... o que me salvou na pandemia, por exemplo, foi eu estar aqui com a minha gata", brinca Daniela.
Um último ponto importante, especialmente no mercado da hotelaria em Portugal que destaca Daniela são cursos profissionalizantes. Enquanto no Brasil muitos veem um trabalho no setor como um side job, em Portugal a exigência para uma excelência é maior: "Existem muitos cursos aqui, de recepção a housekeeping (limpeza). Não é que seja necessário fazer um curso para conseguir trabalho aqui, mas larga na frente do concorrente que não tem", destaca.
Brasileiros são necessários: aproveite
No hotel onde Daniela trabalha atualmente, a maioria dos trabalhadores são imigrantes, mantendo uma tendência da maior parte de estabelecimentos nas áreas de hotelaria ou restaurantes em Lisboa. Para a paulista, isso é algo que abre portas não só por uma questão de demanda de Portugal, mas também porque os portugueses reconhecem os brasileiros como especialistas no atendimento ao cliente.
"O brasileiro tem muita facilidade em comunicar, é algo quase que inato do brasileiro o bom relacionamento com as pessoas. Acredito que isso vem muito de ser um país muito grande, no qual temos contato com muitos serviços e somos muito exigentes com a questão das pessoas serem amáveis, fáceis de abordar. Ter uma boa relação com o cliente é fundamental", afirma.
Brasil, Cabo Verde, Índia e Nepal são alguns dos países contemplados com trabalhadores no Art Legacy Hotel. Para Daniela, a hotelaria precisa de imigrantes e isso é algo que os brasileiros que tem o sonho em morar em Portugal, devem aproveitar.
"Essa indústria precisa de mão de obra e os imigrantes são um dos pilares. Até porque os portugueses estão indo embora também, mas mesmo que os não fossem, o mercado não ia dar conta. É um mercado que tem crescido cada vez mais, com mais unidades de restaurante, hotéis e muito turismo. É preciso de mão de obra aqui", finaliza Daniela que, já estabelecida e apaixonada por Lisboa e casada com um português, não pretende deixar o país tão cedo.
nuno.tibirica@dn.pt