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Crônica: Qual o lugar de fala do imigrante?
Foto: Priscilla Du Preez 🇨🇦 / Unsplash.

Crônica: Qual o lugar de fala do imigrante?

"Ser imigrante, viver realidade distinta do país de origem é um forte convite a perceber o mundo sob novas perspectivas. O ângulo mudou, a mentalidade precisa acompanhar. A experiência do imigrante apresenta outro lugar de fala, daquele que vive na pele ruas inéditas, pluralidade e diferenças."

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por DN Brasil

Texto: Cristina Fontenele

Há alguns dias assisti a uma conversa entre o escritor português Hugo Gonçalves e o jornalista, e também escritor brasileiro, Álvaro Filho sobre as experiências deles enquanto imigrantes no Rio de Janeiro e em Lisboa, respectivamente. O diálogo, intitulado “Civilizados e Selvagens: imigração e os desafios da integração”, foi promovido pelo Fórum de Integração Brasil Europa (FIBE), na Livraria Travessa de Lisboa, e mediado pela amiga jornalista Caroline Ribeiro.

“Não há lugares perfeitos. Vai sempre haver alguém que te vai fazer sentir estrangeiro em qualquer parte do mundo.”, declarou Hugo referindo-se aos casos de xenofobia e às dificuldades de integração em outra cultura, matéria do cotidiano imigrante. O debate refletiu ainda sobre o lugar de fala e os espaços ocupados pelo autor quando vive em outro país.

Ter a literatura e o jornalismo como ofício, com tamanha bagagem e vivência, é de certa forma uma obrigação do escritor contribuir para esse debate ou não?, questionou Caroline aos convidados. Álvaro ponderou que sim e defendeu seu compromisso em escrever além do superficial. Ele publicou recentemente “O Mau Selvagem”, romance policial abordando a relação entre a comunidade imigrante brasileira e a portuguesa. “Não acho justo, não é nem comigo, mas com meu filho que está ali pequenininho e sofre algumas coisas também. Vai morar aqui em Portugal e a gente precisa resolver isso.”

Estamos tão desacostumados a conversar sem a necessidade de dominar o outro, e está cada vez mais raro o exercício da empatia, que deixar a janela aberta para a imaginação é um respiro.

Afinal, nós, escritores imigrantes, temos responsabilidade com essa temática ou a letra pode correr descompromissada? Hugo declarou que escreve para entender o mundo. Há outros colegas de profissão que escrevem para mudar realidades. George Orwell (autor do célebre “1984”) já afirmou que escreve porque há uma mentira qualquer que quer denunciar, um fato para o qual quer chamar a atenção. “O meu ponto de partida é sempre um sentimento de militantismo, um sentido de injustiça.”

Orwell explica em seu livro “porque escrevo e outros ensaios” que há quatro motivos para alguém escrever: egoísmo pela vontade de parecer esperto; entusiasmo estético a partir da percepção da beleza do mundo; impulso histórico para registrar os fatos; propósito político baseado no desejo de conduzir o mundo numa dada direção.

A escrita teria todo esse poder?

Ao longo da minha carreira de escritora, tenho recebido valiosos feedbacks sobre como meus textos levam a reflexões diversas. Quando escrevo, meu compromisso é pelo diálogo, pela expansão da consciência e proposição de possibilidades. Estamos tão desacostumados a conversar sem a necessidade de dominar o outro, e está cada vez mais raro o exercício da empatia, que deixar a janela aberta para a imaginação é um respiro.

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Tenho repetido como mantra que a minha escrita seja o meu servir, e que a palavra seja a minha revolução. O pouco que fazemos pode inspirar a vida de alguém. E isso é de uma imensidão.

Ser imigrante, viver realidade distinta do país de origem é um forte convite a perceber o mundo sob novas perspectivas. O ângulo mudou, a mentalidade precisa acompanhar. A experiência do imigrante apresenta outro lugar de fala, daquele que vive na pele ruas inéditas, pluralidade e diferenças. Como defende a doutora em Ciências da Comunicação, Rosane Borges, pensar o lugar de fala é uma postura ética, pois “saber o lugar de onde falamos é fundamental para pensarmos as hierarquias, as questões de desigualdade, pobreza, racismo e sexismo.”

Qual o lugar de fala do imigrante?

Como bem disse Hugo no evento: “O imigrante não é um cidadão de segunda. Tem direito a protestar.” Complemento que o imigrante tem direito também a muitos outros verbos: sentir, questionar, sonhar, construir, escrever. Que cada letra do texto imigrante seja uma voz que colabora para uma ampliação de sentidos.

Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.

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