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Crônica: luto à distância
Photo by Transly Translation Agency / Unsplash

Crônica: luto à distância

"Desde que cheguei em Portugal, já somo o adeus a seis parentes, sendo a passagem do meu pai o golpe que abriu o peito e dividiu o mundo em dois: antes e depois".

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por DN Brasil

Texto: Cristina Fontanelle

Muitos imigrantes seguram-se no fio invisível da memória para lidar com o assombro de receber a notícia que ninguém deseja: alguém que você ama faleceu. Se passar pelo luto de entes queridos é um caminho doloroso, estar fisicamente distante pode ser ainda mais difícil neste processo de atravessar fases e encerrar ciclos. Nem sempre há tempo e dinheiro para a última despedida in loco.

Já vi amigos e colegas imigrantes perderem pais, tios, avós; serem invadidos pelo sentimento de impotência, cuja única saída é resignar-se. Também há casos em que a morte é uma situação tão perturbadora que a pessoa emigra buscando esquecer a perda e encontrar sentido em outro lugar. É um deslocar-se externo para encontrar espaço dentro. Sim, as pessoas também mudam de país após uma perda.

Desde que cheguei em Portugal, já somo o adeus a seis parentes, sendo a passagem do meu pai o golpe que abriu o peito e dividiu o mundo em dois: antes e depois. Até a data desta coluna, são dez meses sem o nosso bom dia, sem a troca de fotos do café da manhã, sem “Como tá o clima aí?”, sem as selfies de camiseta e óculos escuros sentado no banco do carro. Sem que eu escreva: “Beijo pai, te amo.”

Para janeiro de 2025 existia a promessa da visita dele a Portugal. Como aquele tão idealizado reencontro no qual esperamos mostrar à família nossas conquistas, o novo jeito que estabelecemos de morar, trabalhar e compor a vida. É semelhante à euforia da criança quando quer compartilhar uma novidade.

Seria a primeira viagem internacional do meu pai, ele que já tinha percorrido meio Brasil, perdido-se na selva amazônica, e buscado ouro na Serra Pelada. Era um projeto que a gente vinha brincando de desenhar, que me enchia de expectativa e sonho. E que agora não será mais possível.

Em setembro, assisti a uma conversa sobre o livro da escritora portuguesa Tânia Ganho que me deixou pensativa. Em “O Meu Pai Voava”, a autora escreve sobre a figura paterna e a relação com o Alzheimer, assim como discorre sobre memória e luto. Ao ter o livro autografado, confessei que seria uma leitura sensível para mim e perguntei o que mudou dentro dela após a escrita da obra. A resposta foi que alcançou um sentimento de paz. Respirei fundo, sabendo que eu ainda não estou em paz (e creio que vai demorar um longo tempo). Tenho oscilado entre susto, negação, raiva, tristeza e vazio. Enquanto isso, a vida segue a suposta normalidade.

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Condição semelhante vive uma colega brasileira que perdeu a mãe há três meses. Foi repentino, mas diferente de mim, ela não pôde ir ao funeral. Domingo era o dia da habitual ligação materna, quando tinham mais tempo para conversar. Ela se flagra ainda querendo realizar a velha chamada e se diz incrédula, como tendo perdido a referência na vida, experimentando a sensação de estar sozinha no mundo.

De Portugal, acompanho também os amigos no Brasil se despedirem de familiares. Mais recentemente, uma amiga perdeu a avó. Do lado de cá, mando abraços fortes, palavras de conforto e revivo minha dor. Noto em mim uma espécie de culpa por não poder estar junto e emprestar meu ombro para ela, que segurou minha mão quando foi a vez do meu pai.

Enquanto imigrantes (e seres humanos) vivemos estes dilemas de longe x perto, presença x ausência, luto x aceitação. Como bem refletiu a escritora portuguesa sobre a escrita do luto: é um processo catártico e também literário. Eu tenho escrito sobre meu pai aqui e ali, entre uma crônica e outra. Registrando em partes o que é desconhecido dentro de mim, dessa filha que ainda não sabe como gerir a partida.

Como reflete a Tânia: o que nos fica das pessoas com quem convivemos? E para nós imigrantes, questiono: Como atravessarmos, à distância, o luto por quem amamos?

Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.

dnbrasil@dn.pt

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