Crônica: as dúvidas de um imigrante
São dúvidas existenciais que me fazem rir, refletir e, por vezes, suspirar, ao perceber que, em alguns aspectos, serei eternamente estrangeiro.
Texto: Diogo Batalha
Após quase uma década vivendo em Portugal, a gente começa a perceber muitas coisas sobre a cultura local. Mas também sobre o Brasil. Entre conversas em cafés lisboetas e passeios pelas calçadas de azulejos, as diferenças, por mais sutis que sejam, vão se entranhando na pele. E com o tempo, começamos a sentir uma espécie de vazio do imigrante - que não é de lá nem de cá, descolado em lugar nenhum.
Para quem trabalha com a escrita, como eu, as palavras se tornam um reflexo dessa vivência dupla. Os textos são “portugueses demais” para uns, “brasileiros demais” para outros. Uma narrativa que já não cabe em uma só pátria, e que, na verdade, pertence ao mundo (ou a nenhum lugar).
Confesso que há aspectos da cultura portuguesa que, mesmo após tantos anos, continuam sendo um enigma para mim. São dúvidas existenciais que me fazem rir, refletir e, por vezes, suspirar, ao perceber que, em alguns aspectos, serei eternamente estrangeiro.
Eis aqui algumas dessas dúvidas que, se um dia o serviço de imigração perguntar, não saberei responder. Se algum português de bom coração puder me ajudar, estarei eternamente grato:
As bolas de berlim, em Berlim, são chamadas apenas de “bolas”?
Dá para dizer que o “além-tejo” vai de Almada à África do Sul?
Qual a cor do céu de Sintra depois que Deus chora?
Já houve um arrastão para roubar corações?
O cravo ainda briga com a rosa ou já parou com isso?
Como se dança o Fado?
Por que as tunas das universidades estão sempre de luto?
O São Sebastião chega a tempo do jantar?
Todas as romarias levam a Roma?
Pelo quê chora a lágrima da guitarra portuguesa?
Qual o som do canto do galo de barcelos?
Se nem todo azulejo é azul, por que não se chamam colorejos?
A “Saudade” só existe em português, como sofrem as outras línguas?
Como sabem se “caravelas portuguesas” são um animal ou um barco?
Por que os barcos para Cacilhas são “Cacilheiros” mas os barcos ao Barreiro não são “Barrereiros”?
Se as casas portuguesas não tem ralo no chão, por onde vou escorrer a minha tristeza?
É verdade que os Alfacinhas nascem do pé de alface? Então, qual o trabalho das cegonhas?
Quantas virtudes afundaram no oceano atlântico?
Por que se diz “pequeno-almoço” mas não se diz “Grande-almoço”?
Os cães portugueses ladram com sotaque?
Se Fernando Pessoa tivesse um cão, chama-lo-ia “Bobi Cão”?
O doce “Baba de camelo“ é uma especialidade do Saara?
Quantas portas há em Chaves?
O Elétrico é um Comboio que encolheu?
Quantos dedos mindinhos já chutaram as Quinas da bandeira?
O José Saramago agora é o “José da Oliveira”?
Quem se chama Maria João tem personalidade oposta a do João Maria?
O que viu o olho perdido de Camões?
É verdade que a Padeira de Aljubarrota é especialista em tapas?
Vendem-se guitarras em Venda das Gaitas?
As muralhas de Óbidos protegem da ressacada da ginja?
A quantos súditos serve um Bolo Rei?
As ondas da Nazaré são grandes ou os meus sonhos é que são pequenos?
Quem é o maior português de sempre?
E quanto ele media?
Enfim, são muitas questões sem respostas. Aos brasileiros que leem este texto, prometo que, quando as descobrir, conto para vocês. Até lá, sugiro que se divirtam tentando descobrir todos os aspectos da cultura portuguesa que coloquei neste texto. E, talvez, até criar as suas próprias perguntas. Afinal, a vida precisa dos nossos mistérios, não é mesmo.
Diogo Batalha é redator há quase duas décadas (e desde 2015 vive em Portugal). É aracajuano desde que nasceu e detesta que não saibam onde Aracaju fica no mapa. Pai de uma pequena portuguesa, tenta achar palavras para explicar até mesmo o que ainda não consegue compreender.