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Crônica: a minha primeira vez
Todos devem lembrar da primeira vez que pisaram em Portugal como imigrante. Foto: Rita Chantre

Crônica: a minha primeira vez

Lembro da sensação de comer os primeiros caracóis. Do primeiro desfile do 25 de Abril. E de experienciar as mazelas e alegrias de viver no estrangeiro. Nisto, lá se vão muito anos. E muitas outras “primeiras vezes”.

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por DN Brasil

Texto: Diogo Batalha

Para tudo na vida, há uma primeira vez. Eu, por exemplo, nunca havia escrito num jornal antes. Então, se está a ler isto, acaba de presenciar este momento inédito em minha vida. Um dos muitos, é claro. Lembro que a primeira vez que pisei em Portugal foi quando emigrei para cá a trabalho, em 4 de janeiro de 2015. Estavam 4 graus em Lisboa. Em São Paulo, fazia 40 graus. E esta coincidência de números me permite lembrar com exatidão destes detalhes. Lembro de olhar para a calçada portuguesa e pensar: "Ah… foi daqui que veio isto". Lembro da sensação de comer os primeiros caracóis. Do primeiro desfile do 25 de Abril. E de experienciar as mazelas e alegrias de viver no estrangeiro. Nisto, lá se vão muito anos. E muitas outras “primeiras vezes”.

Em determinado momento da vida de imigrante, já me peguei pensando na carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, logo após atracarem no Brasil. Nas aulas de história no Brasil, costumamos lê-la. Eu duvido que ela seja assim tão relevante nas escolas em Portugal, especialmente considerando que a carta ficou esquecida por mais de dois séculos até ser resgatada do fundo do baú. 

Hoje, esta carta descansa na Torre do Tombo. Mas é possível ler sua adaptação para o português contemporâneo em muitos locais da internet. Gosto principalmente que, ao tentar descrever aquilo o que via, Caminha quase transformou um documento burocrático em poesia. Utiliza adjetivos como "belos", "agradáveis", "uma terra graciosa", "praias formosas". Hoje em dia, esses adjetivos seriam facilmente utilizados por uma agência de viagens para vender um destino fascinante ao público português.

O que me irrita nela, é que Pero Vaz de Caminha mandou a fatura para o rei logo no parágrafo final. Se calhar, com medo dele não notar o pedido se fosse num pedaço de papel separado.

Sabe quem é Jorge d’Osório? Pois… a realidade é que ninguém saberia, se não fosse o pequeno “detalhe” do seu nome ser mencionado no primeiro documento escrito sobre o Brasil.

Há fontes que dizem que ele matou um padre. Outras, que ele roubou uma igreja. E há as que dizem que ele matou um padre e roubou a igreja. Em qualquer das versões, ele não parecia ser boa gente. Tanto é que estava exilado na ilha de São Tomé. Mas ele era genro de Pero Vaz de Caminha, (fazer o quê, né?). E, por isso, pediu seu perdão no último parágrafo da carta. De tão insignificante que Jorge Osório é para a história, ninguém sabe ao certo se o pedido foi atendido pelo rei. O próprio Caminha morreu pouco depois de enviar a carta, selando também o seu destino.

Há um poema modernista de Oswald de Andrade, feito em 1927, chamado "Erro de Português", que diz assim:

Quando o português chegou 

debaixo duma bruta chuva 

vestiu o índio 

que pena! 

fosse uma manhã de sol 

o índio tinha despido o português”

Gosto muito deste poema. Mesmo que Caminha tenha apenas falado sobre a chuva na noite anterior ao chegar a terra, Oswald tomou a licença-poética para si. Caminha não estava exatamente interessado no sol ou na chuva, penso eu. Mas descreveu que o clima parecia com o da região do Minho - se calhar, já pensando no tipo de vinho que poderiam produzir por lá. Mas, Oswald, era poeta. E poetas costumam mentir para dizer as suas verdades do mundo. E diria até mesmo que, em outro mundo, talvez no lugar de Caminha, o rei deveria ter enviado naquele barco um poeta como Oswald para descrever aquele Brasil. 

Se a realidade fosse uma fantasia, eu faria uma máquina do tempo, entregaria-a a Oswald de Andrade e o faria voltar para exatamente um dia antes de encontrarem a carta, lá em 1773. Combinaríamos que ele apagaria o trecho final que fala sobre o d’Osório e colocaria lá uma versão da sua poesia. Assim, retiraria o peso colonialista (e de evangelização) que o texto possui e o mundo ainda teria uma quase-obra-literária magnífica. Certamente, todos sairíamos ganhando.

Aposto que o Oswald toparia. Seria um segredinho só nosso. Assim como o Brasil já foi um segredo de estado do rei Dom Manuel I.

Foto: Arquivo pessoal

Diogo Batalha é redator há quase duas décadas (e desde 2015 vive em Portugal). É aracajuano desde que nasceu e detesta que não saibam onde Aracaju fica no mapa. Pai de uma pequena portuguesa, tenta achar palavras para explicar até mesmo o que ainda não consegue compreender. 

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