Crônica: A cada estação, o seu tempo
"O cair da folha tem um quê de poesia. Para além do movimento sutil e imprevisível (não sabemos onde será o pouso), é o aviso de que uma fase chegou ao fim e é tempo de alterar o ritmo e a rotina. A atenção precisa ser redobrada porque o jeito de fazer as coisas já não será o mesmo".
Texto: Cristina Fontenele
Ulmeiro, bétula, tília-prateada, ameixeira-de-jardim. A variedade de folhas pelo chão sinaliza um outono que vai chegando sem pedir licença. As chuvas já começam a vir de todo lado (menos de cima), deixando-nos ensopados mesmo de guarda-chuva (chapéu, como dizem em Portugal).
As folhas de plátano caindo da árvore lembram um vídeo no Instagram no qual uma mulher, ao ver tal cena, cola com agilidade as folhas de volta na planta. É o modo de recusa pela mudança de estação. Dá vontade de fazer o mesmo.
Entretanto, o cair da folha tem um quê de poesia. Para além do movimento sutil e imprevisível (não sabemos onde será o pouso), é o aviso de que uma fase chegou ao fim e é tempo de alterar o ritmo e a rotina. A atenção precisa ser redobrada porque o jeito de fazer as coisas já não será o mesmo. Se sairmos à rua sem a vestimenta adequada, passamos frio, molhamo-nos, somos pegos desprevenidos. A cautela vale para o outono e outras matérias da vida.
Além das roupas, cada época requer um ânimo diferente. Até as expressões faciais mudam. No outono, tornamo-nos mais sérios e melancólicos.
Há quase dois meses as lojas já anunciavam a nova estação. Os manequins trajavam casaco, cachecol, botas, enquanto ainda planejávamos o banho de mar, um piquenique, atividades ao ar livre. Chegou aquela época do ano de ir trocando as camisetas por blusas de gola alta, o florido pelo xadrez, a bermuda pela calça comprida e meias quentes. Adeus chinela de dedo, vemo-nos daqui a seis meses.
Calma, ainda é possível resistir mais algumas semanas se o vento soprar com menos força e o rio atmosférico desviar.
Nota-se nas ruas e nos transportes o período de transição. Pessoas mais ou menos agasalhadas de acordo com seus frios externos e de alma. São diferenças, por vezes, radicais entre alguém que parece atravessar uma massa polar e outra que retorna de uma praia. É divertido e curioso. Uma maneira de confirmar que cada pessoa é mesmo um mundo e sente o ambiente com a própria pele.
A troca sazonal de roupas é uma experiência nova para quem, assim como eu, vem do Nordeste do Brasil. Nossa temperatura de corpo e mente foram treinadas no modo calor acima dos 28 graus o ano inteiro. O estilo de vestir só varia pela formalidade da programação. Um casaco mais abrigado é algo raro. O pensamento é sempre sobre como deixar o ambiente mais fresco e aproveitar melhor as sombras.
Para o imigrante, habituado a exercitar a resiliência, o outono vem lembrar sobre acolhimento e esperança.
Vivenciar as quatro estações tem sido um grande aprendizado desde que cheguei em Portugal. Além das roupas, cada época requer um ânimo diferente. Até as expressões faciais mudam. No outono, tornamo-nos mais sérios e melancólicos. Segundo os espiritualistas, é um período introspectivo e de reflexão, quando a duração dos dias se faz igual a das noites e há uma certa busca pelo equilíbrio das escolhas.
Um colega brasileiro, também nordestino, comentou que aprecia o céu cinza-claro do outono e ficou fascinado ao chegar em Portugal e ver pela primeira vez árvores secas sem folhas. Experimentar os opostos e as diferentes paisagens foi um ganho enquanto imigrante. Se antes só conhecia o verão e a primavera, agora ele prova os quatro ciclos e suas peculiaridades.
A cada estação, o seu tempo e suas demandas. De três em três meses, a natureza nos convida a adequar roupas, humor e formas de interagir. Para o imigrante, habituado a exercitar a resiliência, o outono vem lembrar sobre acolhimento e esperança. Se hoje as folhas caem, amanhã as flores voltarão.
Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.
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