Crônica. A literatura como ponte para o imigrante
Texto: Cristina Fontenele*
A literatura tem sido um ponto de encontro e intercâmbio cultural entre Portugal e Brasil. Aumentam os festivais literários, feiras, saraus, clubes de leitura, que incluem autores de ambos os países para partilhar experiências na língua multifacetada que é o Português. Os imigrantes também se inserem neste diálogo pelas letras.
São várias pesquisas, ensaios, teses, obras de ficção e também histórias de vida registradas em livros. É a investigação de um universo em dois continentes, procurando perceber onde se aproximam, em que divergem e como podem colaborar com técnicas e produção de conhecimento.
Escrever vem sendo um meio de expressão para o imigrante, uma forma de aprofundar raízes, resgatar memórias e elaborar as mudanças que afetam crenças e comportamentos. Sobretudo para as mulheres, que encontram na palavra escrita uma forma de ser ouvida sem interrupções, com menos mansplaining e gaslighting para lidar (que o diga a ministra brasileira Marina Silva).
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Em um mundo em que quase perdemos a capacidade de dialogar, o livro pode ser essa intermediação de realidades diferentes, em que nos damos a chance de conhecer uma história sem as amarras do preconceito.
A Biblioterapia, por exemplo, é uma prática que usa a leitura como apoio emocional, psicológico e ferramenta de conversa. Por meio de uma sessão conduzida por um especialista, permite que o leitor reflita sobre suas inquietações, medos, dores, ao perceber a própria vivência espelhada em personagens. Os benefícios vão desde aliviar a tensão do cotidiano a fomentar a criação de vínculos.
Isto, claro, se atravessarmos o primeiro julgamento que é a capa e título de uma obra, para não dizer a seleção prévia: ser escrito por um homem ou por uma mulher.
No sábado (24) da semana anterior, participei do Festival Mulheres que Escrevem, realizado em parceria pela Amora Livros, Clube de Leitura Vilarejo e Indi - not a bookshop. O evento reuniu várias escritoras portuguesas e brasileiras, na Cidadela de Cascais, para falar de literatura, processos de escrita, memória e os desafios do mercado editorial para as autoras.
O Clube das Mulheres Escritoras participou do debate e abordou a importância de divulgar a literatura escrita por mulheres, bem como de fortalecer os espaços conquistados pelas autoras, diante de um mercado ainda predominantemente masculino. "O que se passa na literatura é só o reflexo daquilo que se passa na sociedade.”, comentou a escritora Sara Rodi, destacando que o setor já evoluiu mas ainda há muito por fazer. A organização, criada em 2023, é formada por cerca de trinta escritoras portuguesas e realiza encontros mensais com o público.
Ser mulher, em qualquer país, apresenta seus desafios e desigualdades. Ser mulher imigrante aporta uma camada extra de vulnerabilidade social. Que a literatura possa ser esse instrumento que promove mais espaços de integração, laços culturais, seja entre homens e mulheres, imigrantes e nacionais.
Ao passo que governos fabricam guerras, taxas e barreiras, precisamos acreditar que ainda é possível, enquanto indivíduos, recuperarmos a capacidade de diálogo, escuta, empatia e cooperação.
Os livros podem ser um bom caminho?
Como já dizia o poeta brasileiro, Mário Quintana: “Os livros não mudam o Mundo, quem muda o Mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”.
*Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.