Coro criado por brasileira integra imigrantes e mistura músicas de Brasil e Portugal
Com metade da vida dedicada ao canto coral, Patrícia conseguiu construir um projeto do zero em Portugal e viu o Coro Relâmpago ser premiado em festival internacional no início do mês; conheça a história.
Texto: Nuno Tibiriçá
A forma como a pandemia foi conduzida no Brasil foi a gota d'água para Patrícia Costa, professora de canto coral natural do Rio de Janeiro, que, no final de 2020, concretizou sua mudança para Portugal. Após quase 30 anos de trabalho com coros juvenis no Brasil, Patrícia encontrou em Aveiro um novo lar para sua paixão pela música, e, sem muitas pretensões, começou a criar um projeto que hoje integra brasileiros e portugueses.
"Eu sabia que queria continuar com a música, mas aqui em Portugal encontrei uma realidade diferente. A educação musical, ao contrário do Brasil, é oferecida até o sexto ano, então não há muitos adolescentes cantando como no Brasil. Sabia que aqui seria muito mais difícil de conquistar o que havia conseguido lá", explica Patrícia, em entrevista ao DN Brasil.
A diferença estrutural em seu meio em Portugal não desanimou a carioca. Ao contrário, ela encontrou na mistura cultural um caminho inovador para o canto coral em Portugal. Patrícia conta que, no Brasil, uma forma de chamar a atenção de mais pessoas para participarem do coro era trazer músicas populares mais próximas, se afastando um pouco dos cantos mais clássicos.
Por aqui, ela repetiu a fórmula, já que, de fato, o coro em Portugal estava ainda muito mais ligado aos artistas clássicos do que contemporâneos: "No Brasil, a gente se socorre com a música popular brasileira para atrair os jovens. Aqui, o regente português está muito atrelado ao conservatório, ao tradicional". Para chamar a atenção de gregos e troianos - leia-se, portugueses e brasileiros - resolveu inovar ainda mais.
"Comecei a misturar. Peguei clássicos como Cazuza e Paralamas do Sucesso e os juntei com a música portuguesa, como António Variações. Ou ainda bandas mais recentes, como Deolinda, que tem músicas que acho que ficam lindíssimas no coro. Essa fusão trouxe uma coisa diferente, e foi chamando a atenção tanto de brasileiros quanto de portugueses", lembra.
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A inspiração e a paixão pela música fizeram Patrícia criar o Coro Relâmpago, focado no público adulto. Ela conta que, no princípio, o projeto surgiu como algo temporário, com início, meio e fim, mas acabou por ganhar vida própria.
"Era para ser um projeto de um mês e meio, seis sessões, até porquê é difícil trabalhar com adultos, as pessoas tem trabalho, família... mas o sucesso foi tão grande que já estamos na nona edição. A cada novo grupo, vejo mais pessoas interessadas em descobrir o canto coral, tanto brasileiros quanto portugueses", conta Patrícia, surpresa pelo impacto positivo que o coro teve na comunidade.
Recentemente, a carioca teve a oportunidade de levar seu coro para participar de um festival internacional em Fundão, na Beira. Ela conta que levou o grupo para cantar música brasileira, com uma mistura de ritmos como samba e maracatu: "Consegui convencer o grupo e eles toparam: era a oportunidade de mostrar a nossa cultura para outros coros da Europa e do mundo", afirma.
Embora não tivesse pretensões de ganhar algo e já estivesse contente apenas com a participação do seu projeto no evento, o Coro Relâmpago não só foi elogiado, como reconhecido e premiado no festival: o grupo liderado por Patrícia recebeu medalha de ouro na categoria de folclore, sendo o único coro de Portugal a receber essa premiação.
"Quando perguntei para a organização o que entendiam por "folclore" e percebi que podia puxar para o meu lado, eu pensei "vamos lá". Mas sem pretensão nenhuma de ganhar ouro. E foi muito emocionante ver como a música brasileira tocou as pessoas e como o nosso grupo, formado por brasileiros e portugueses, se destacou", relembra Patrícia, que viu o evento fortalecer ainda mais sua convicção de que o trabalho de integração cultural e musical deve continuar.
Ao promover essa fusão entre culturas através da música, Patrícia também acredita construir pontes para a integração de imigrantes em Portugal, um país a qual, segundo a própria, ela só tem a agradecer.
"Portugal me recebeu muito bem, e sinto que esse trabalho com o coro tem sido uma maneira de retribuir. O coro não é só sobre cantar, é sobre formar uma comunidade onde todos se sentem acolhidos. E é lindo ver como a música brasileira e portuguesa se encontram no palco, como se sempre tivessem sido parte da mesma história", reflete Patrícia, que acredita que o canto coral, vai além da música, especialmente em um momento no qual vê uma sociedade tão segregada:
"O canto coral é um exercício de cidadania. É um lugar onde as individualidades se somam e formam algo maior. Esse trabalho que faço é, acima de tudo, sobre unir pessoas. E numa época em que os discursos de separação são tão fortes, eu acredito que o coro é um veículo contra essas divisões tão presente hoje em dia", finaliza.
nuno.tibirica@dn.pt
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