Convívio, sem redes sociais, preocupação em avisar familiares: o apagão na visão dos brasileiros em Portugal
O que parecia apenas uma segunda-feira normal em Portugal mudou às 11:33, quando um apagão generalizado atingiu o país. Foram mais de 10 horas sem eletricidade, internet e telefone, tornando o dia caótico. Muitos brasileiros e brasileiras que vivem em Portugal jamais imaginaram que isso poderia acontecer. E foi como esta segunda-feira? O DN Brasil conversou com alguns dos leitoras e leitoras sobre como viveram este dia atípico.
Felipe Seitenfus estava trabalhando em Lisboa quando a luz acabou. Era quase a hora do almoço e tiveram que comer sanduíches nas poucas pastelarias abertas. O brasileiro conta que “deu sorte”, porque foi logo até o shopping Vasco da Gama sacar dinheiro físico quando as filas ainda não estavam tão grandes.
Ainda sem previsão de normalidade, por volta 17h decidiu tentar pegar o ônibus para casa. “As filas para o [ônibus] 750 estavam imensas e fiquei uma hora e meia a espera, se a polícia não estivesse lá aquilo descambava para o caos absoluto. O ônibus estava abarrotado como nunca peguei e levou quase uma hora para chegar em Benfica, com sorte, consegui descer”, conta.
Mesmo em casa, a preocupação bateu: “Não tinha rádio nem powerbank e apenas meio pão para o dia seguinte. Fiquei conversando à frente do meu prédio com meu senhorio até umas 21h. Quando ele me entregou uma lanterna sobressalente, a luz voltou”, relata. A internet só voltou hoje cedo. Felipe diz que está bem, mas “ainda um pouco receoso” pela experiência.
Já a preocupação maior do brasileiro Pedro Carvalho foi dar notícias para a família no Brasil. “A angústia só bateu mais à noite por não poder dar notícias aos parentes no Brasil. Sabemos como as notícias e relatos em redes sociais são sensacionalistas sobre essas situações, mas estávamos bem”, destaca.
Clique aqui e siga o canal do DN Brasil no WhatsApp!
A mesma preocupação foi da brasileira Beatriz Castro, que conta a emoção ao poder ligar para a mãe quando o sinal voltou. “Nada vai poder explicar a emoção em poder ligar para minha mãe e avisar que tudo parecia ter normalizado e já estava tudo bem, foi simplesmente único”, explica a imigrante, que vive em Bragança.
A brasileira Carla Agradem, que também vive na cidade de Bragança, destaca que foi um dia “diferente”. Sem internet e televisão, aproveitou o tempo para atividades do mundo offline. “Li os meus livros parados, limpei a horta e joguei xadrez e cartas com meu filho de 12 anos. Isso acontece, mas não assim, na rotina. Foi bom”, explica.
Na hora do jantar, celebrou não ter trocado a placa a gás pela elétrica. Depois, ela e a família saíram caminhar e o clima era diferente. “Que sensação boa! Gente na rua, estrelas mais nítidas no céu e segurança. Ao voltar a luz, ouvimos as palmas e gritos e entramos de volta em casa para ir dormir, mas não sem antes pôr os celulares para carregar”, destaca a imigrante.
A corrida aos supermercados foi geral. Sueli Soares, que vive em Figueira da Foz, diz que por lá “o pânico se instalou e os supermercados abertos ficaram quase vazios de mercadorias e as filas dos postos de combustível enormes”. Odete Leonel, que vive em Braga, conseguiu ir até o mercado e comprar água e “e algumas coisas para comer” - mas somente o que não precisaria cozinhar. Isso porque, como em boa parte das casas em Portugal, o fogão é elétrico.
Mas a lição maior não foi esta e sim, de como o tempo é valioso. “As pessoas que reclamavam que não tem tempo para os filhos estavam com eles nas praças e a tecnologia perdeu o sentido vendo aquelas crianças brincando umas com as outras naquele momento. A igualdade social no momento do apagão veio para todos. Ricos ou pobres, todos tiveram o mesmo pensamento”, analisa Odete.
Pessoas preparadas
Há quem não tenha sido pego desprevenido no meio do caos. O brasileiro Wellington Silva tinha um bom kit: lanternas, pilhas e velas, além de comida perecível para ele e os cães. “Salsichas, enlatados, macarrão, biscoitos, sardinhas, atum, ração e água, bastante água”, ressalta. Mas o item que considera mais essencial foi o bom e velho rádio de pilhas. “Foi somente através dele que pude saber a dimensão e ter uma ideia do que estava realmente a acontecer. Se não tivesse esse meio, talvez tivesse ficado mais confuso e temeroso”, argumenta.
Clique aqui e siga o canal do DN Brasil no WhatsApp!
Samila Medeiros conseguiu correr no mercado e comprar alguns enlatados, água e lanterna, mas não o rádio. “Ficamos ouvindo as notícias pelo rádio do carro”, conta. Com necessidade de eletricidade para a bomba de água, a prioridade foi o banho do bebê de sete meses dela e de seu marido.
A brasileira Raquel Ribeiro também conta que estava preparada e não teve nenhum contratempo. Sem ter atividades online, Ribeiro decidiu ir para a rua. “Foi bonito ver as pessoas interagindo, conversando, sorrindo... coisas que geralmente não vejo aqui em Campolide, um bairro mais parado e sem muita simpatia e conversa entre as pessoas que vejo”, comenta.
Essa foi a mesma impressão da brasileira Karen Pessoa. Ela e a família decidiram sair para passear no dia de sol. “Nunca tinha visto tantas pessoas passeando na Estrada de Benfica, famílias, crianças correndo e brincando, adolescentes em rodas conversando e rindo, cachorros, gatos e sorrisos”, ressalta. O dia foi finalizado com o brinde e celebração quando a luz voltou à noite.
Já Alessandra Chiarini e o marido tiveram uma ideia que definiram como genial: foram até a Makro. “Lá estava tudo bem calmo e abastecido, passando cartão “, pontua. O caso ficou de lição para o futuro. “Precisamos ser organizados porque pode acontecer outro caos desse em um outro dia qualquer. Queremos saber se conseguiremos fazer algo com calma. Então, antes de tudo sempre temos que ter um pouco mais de comida para emergência em casa, isso faz a diferença”, finaliza.
amanda.lima@dn.pt