Carol do Acarajé: a baiana sem tabuleiro e com dois restaurantes
Imigrante foi proibida de vender acarajé no tabuleiro em Lisboa, mas não desistiu e abriu dois restaurantes.
Texto: Gisele Rech
"O tabuleiro da baiana teeeeem… vatapá, caruru, mungunzá, tem umbu, pra ioiôôôôô…” Na letra de No tabuleiro da baiana, o compositor Ary Barroso se esqueceu do acarajé, a iguaria que é justamente o carro-chefe das baianas com seus tabuleiros, um dos símbolos culturais e gastronômicos mais fortes na Bahia. O preparo feito com massa de feijão fradinho, frito em óleo de palma e servido com camarão seco é um dos símbolos da comida de orixás, relacionada às divindades do candomblé, religião de matriz africana abraçada especialmente na Bahia.
Há seis anos, a baiana Carolina Alves de Brito decidiu vender acarajé no tabuleiro em Lisboa, mas foi barrada pela vigilância sanitária local. O argumento é que a comida poderia ser contaminada pela fumaça dos carros na movimentada rua da Rosa, na região central da capital portuguesa. Em Lisboa, como na música de Ary Barroso, não havia espaço para as baianas do acarajé.
Hoje, ao falar de seus dois restaurantes sempre cheios em Lisboa, ambos batizados como “Acarajé da Carol”, Carolina relembra do episódio como um pequeno percalço em uma trajetória de sucesso. “Cada país tem suas normas e cultura e temos que nos adaptar”, diz.
A imigrante chegou a Portugal em 2002. Depois de um período de trabalho no Porto, deu seus primeiros passos em Lisboa como cozinheira convidada na embaixada do Brasil. O sucesso foi tão grande que foi chamada para participar de grandes eventos, como o Rock In Rio Lisboa, e dividir o fogão com chefs portugueses estrelados, como José Avillez e Kiko Martins.
O grande salto veio quando Carolina começou a preparar o seu acarajé na Casa do Brasil, organização sem fins lucrativos que acolhe e orienta imigrantes no centro de Lisboa: “Fazia um evento grande todas as quintas-feiras, com muita música e festa, das quatro da tarde à meia-noite”. O sucesso era tão grande que a rua Luiz Soriano, no fervilhante Bairro Alto, tinha que ser fechada para os carros devido ao numeroso de público.
Era a hora de abrir um restaurante. “Depois de dois anos, começamos a buscar um espaço ali perto”. A baiana achou o local na rua da Rosa, onde surgiu o primeiro “Acarajé da Carol”. A ideia era criar uma espécie de centro cultural, com uma pequena cozinha - e o acarajé à venda na rua, em tabuleiro. O plano esbarrou no veto da vigilância sanitária - e a iguaria passou a ser oferecida apenas dentro do restaurante. “Adaptamos rápido, mas, até hoje, tem gente que imagina o acarajé sendo vendido em tabuleiro”, relata a cozinheira.
Em Portugal, muitas vezes empreender por conta própria é mais fácil que arranjar um emprego - e os brasileiros protagonizam muitas sagas de sucesso, tal como fez Carol.
Bobó e vatapá
Para abrir uma empresa é necessário tirar o NIPC, o Número Individual de Pessoa Colectiva, equivalente ao CNPJ brasileiro. “Na hora do registro, escolhemos um Código de Atividade Econômica (CAE) específico para restaurante regional e abrimos as portas, com apenas três pessoas trabalhando”, conta a empresária.
O sucesso da casa, que além do acarajé vende clássicos da gastronomia baiana como o bobó de camarão e o vatapá, fez Carolina pensar em expansão. “Já não cabia mais tanta gente e achamos um novo endereço, na rua Santa Marta, que parecia ideal para atender melhor os nossos clientes. E, para tanto, precisávamos de mais gente”, lembra.
Para viabilizar o negócio, Carol foi atrás de crédito do Fundo Europeu e conseguiu uma reforma em tempo recorde. “Em 15 dias, abrimos a casa, o que deu um alívio, já que teríamos que começar a pagar o empréstimo. Não à toa, a abertura foi em 2 de julho, dia da Independência da Bahia”, conta.
Na busca dos sabores e aromas baianos em Lisboa, Carolina teve que ir em busca dos ingredientes para manter a genuinidade dos pratos. “Pesquisei aqui e ali e hoje tenho fornecedores fixos”, explica Carolina. As folhas de bananeira, por exemplo, vêm de mercados de produtos tailandeses. Os camarões secos são importados do Brasil. “Preciso trazer de Salvador e essa é a parte mais complicada. Mas depois de muitos anos já estamos nos acostumando”, ressalta.
Hoje, com as duas unidades, o Acarajé da Carol empregam 15 pessoas, que têm todos os direitos laborais garantidos. “São registrados e têm seguros, o que consideramos fundamental”, destaca.
Entre os estrangeiros, os empreendedores brasileiros são os que mais geram empregos para imigrantes em Portugal. Dados do Observatório das Migrações, divulgados no final do ano passado, confirmam que quase 30% dos postos ofertados por empresários de fora de Portugal são de empreendedores brasileiros. Com seus dois restaurantes, Carolina ajuda a compor essa estatística.
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