Brasileiros vivem incerteza com mudanças das regras na imigração
Juliana (nome fictício), 26 anos, deu entrada no visto de procura de trabalho no Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro em maio. Há mais de um ano que planeja a mudança para Portugal, em busca de mais segurança e estabilidade. Já pediu as contas do emprego que tinha como babá, já vendeu a moto e praticamente todos os móveis do apartamento em que mora e do qual precisa sair em breve. Diante da mudança na lei, que resta agora apenas a promulgação do Presidente da República, ficou com a dúvida: a apreciação do visto será feita com a regra nova ou antiga?. “Eu tenho diploma de administração de empresas, mas sei que demora muito para reconhecer. Quero qualquer trabalho em Portugal, pelo menos no início”, conta a brasileira ao DN Brasil.
O texto da lei aprovado no Parlamento não deixa claro, analisam diversos advogados contactados pelo DN Brasil. Esta é uma das muitas dúvidas que surgem entre os imigrantes (ou que tencionam ser) diante do pacote de medidas do Governo português para restringir a entrada de imigrantes no país. O texto da lei traz as linhas gerais do que vai mudar, mas ainda restam questões por responder.
Nos fóruns da internet, grupos de WhatsApp e Facebook, comentários em posts no Instagram as perguntas multiplicam-se. Quem são os altamente qualificados que o país quer? A medida virá acompanhada de facilitações para validação dos diplomas brasileiros, em geral não reconhecidos em Portugal?
A mudança no visto de procura de trabalho, o mais solicitado no Brasil atualmente, é utilizado por imigrantes como Juliana, que querem morar em Portugal e dispostos a aceitar os famosos postos de trabalho comuns aos estrangeiros: servir mesas, cozinhar, cuidar de idosos, limpar casas e escritórios. Desde o fim das manifestações de interesse, em junho de 2024 este visto passou a ser a saída para os que não queriam esperar a tal “abertura do cadeado da CPLP”, prometida pelo Governo.
Agora, o Executivo de Luís Montenegro voltou atrás e colocou na lei que esta hipótese não vai mesmo acontecer. Juliana chegou a pensar em esperar pela abertura da CPLP, mas a insegurança crescente a fez recorrer ao visto, agora, arriscado pela mudança das regras.
Patrícia Lemos, fundadora da Vou Mudar pra Portugal, destaca ao DN Brasil que o clima é de muita incerteza. A brasileira, que fez o planejamento migratório de milhares de imigrantes para Portugal e é considerada uma referência nesta área, está sendo bastante procurada para saber o que vai acontecer. “Você tem uma insegurança muito grande por parte das pessoas, até das que estão aqui, porque não tem a informação. E se perguntam, eu vou poder trazer a família? As regras não estão claras. Então, isso dá muita margem de erro e de compreensão”, analisa.
Uma das maiores dúvidas está relacionada com quais profissões serão aceitas para o visto de procura de trabalho. O Governo só deverá divulgar a portaria quando a lei estiver promulgada. “O problema é que as pessoas já estão no planejamento, uma regra desta não deveria ser dita a conta-gotas, mas sim na íntegra, a pessoa precisa saber se é elegível ou não porque mudar exige planejamento”, defende.
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Pela experiência de Patrícia, o impacto vai ser muito grande entre brasileiros. “As pessoas que estavam há anos planejando e que, sobretudo, confiaram na palavra de um Governo que disse que o brasileiro não ia precisar de visto e agora mudou tudo”, explica. Neste momento, a recomendação da especialista é: analise se a conta fecha ou pesquise outro país para morar. “ O brasileiro que vinha para trazer a sua mão de obra para Portugal, vai levar dois anos para trazer a família, vai ganhar 774 euros por mês, que mal paga um quarto em Lisboa e poder pedir a nacionalidade daqui a sete anos, tem que analisar se essa conta fecha”, detalha.
Patrícia acredita que muitos vão optar pela Espanha. ”A Espanha lançou o visto de procura de trabalho com regras claras, com salário mínimo maior e depois de dois anos você tem a sua nacionalidade espanhola. Tenho barreira da língua? Sim, mas o brasileiro aprende rápido”, destaca.
A pressão no Presidente
Nas redes sociais, são inúmeros os vídeos em que brasileiras e brasileiros apelam ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa que analise a lei e leve em conta a importância da mão de obra imigrante no país, especialmente no que diz respeito ao reagrupamento familiar. Esta pressão não vem só do mundo digital.
Uma petição foi criada pela advogada brasileira Erica Acosta, que defende o envio do texto da lei para um parecer do Tribunal Constitucional. Na visão da profissional, o mais grave está nas mudanças do reagrupamento familiar. “A separação de famílias é flagrantemente inconstitucional, e ser possível para os altamente qualificados mostra que o imigrante não está sendo visto como pessoa, porque querem que fique aqui sozinho, com todas as mazelas que isso vai trazer”, aponta.
A Casa do Brasil, juntamente com outros coletivos e associações, também pediu uma audiência de emergência com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. “Nesta audiência, pretendemos partilhar os principais pontos críticos identificados, justificando os riscos associados às alterações propostas, e apelar à intervenção de Vossa Excelência no sentido de garantir a certeza e a segurança jurídicas que devem nortear o ordenamento constitucional. Nesse quadro, solicitamos respeitosamente a ponderação da submissão da referida Proposta de Lei à fiscalização preventiva da sua constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, bem como veto”, consta no pedido enviado ao chefe de estado, ao qual o DN Brasil teve acesso. A Casa do Brasil e as demais entidades estão confiantes que o pedido será atendido, bem como a importância da mobilização de imigrantes e portugueses no pedido que o texto da lei passe pelo TC, algo também defendido por partidos de esquerda.
amanda.lima@dn.pt