Após sucesso em Cannes, documentário brasileiro será exibido em festival de Faro

Após sucesso em Cannes, documentário brasileiro será exibido em festival de Faro

Em entrevista ao DN Brasil, os diretores Eryk Rocha e Gabriela Carneiro falam sobre o filme "A Queda do Céu".
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Texto: Nuno Tibiriçá

Dirigido pelos brasileiros Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, o documentário A Queda do Céu, que já percorreu e foi premiado em diversos festivais ao redor do mundo terá uma exibição em Faro na próxima semana. Filmado na Amazônia, A Queda do Céu será exibido no dia 14 de novembro e é uma das principais atrações da 2.ª edição do ciclo d’Outra maneira.

Em entrevista ao DN Brasil, Eryk e Gabriela contaram sobre a história do filme, que se iniciou há cerca de sete anos, quando tiveram contato com um livro que inspirou a produção de A Queda do Céu. "Tudo começou em 2017, quando a Gabriela leu o livro e depois me passou. Assim como ela, fiquei arrebatado, ficamos ambos muito impactados com o livro e, sobretudo, já com essa visão de que poderia dar um fruto audiovisual e cinematográfico. É um livro imenso, muito imagético, por natureza, e a gente brinca que o livro é um cinema infinito: um livro que pode gerar muitos filmes, muitas obras de teatro, muita dança, muita arte, de modo geral.  Foi esse o ponto de partida", começa por dizer em entrevista ao DN Brasil o paulistano Eryk Rocha.

O livro a qual Eryk se refere e que foi a inspiração para o documentário que agora percorre o mundo é a obra homônima dos autores Yanomami Davi Kopenawa, uma das maiores lideranças indígenas do mundo, e do antropólogo francês Bruce Albert. Os dois se conhecem há mais de 30 anos e a obra que assinam é considerada por muitos especialistas como uma das mais importantes da contemporaneidade.

Desde que tiveram o primeiro contato com a A Queda do Céu há sete anos, Eryk e Gabriela começaram a pesquisar, roteirizar e trabalhar na produção da adaptação que queriam levar para o cinema. Uma fatalidade no meio do caminho, no entanto, fez o projeto ter uma mudança de rota que se tornou no ponto central da película.

"Ficamos anos trabalhando nesse sentido até que, em 2021, houve o falecimento do sogro do Davi, o que eclipsou, o que antecipou a filmagem, que é a festa Reahu, e a festa afinal acaboou de certa forma por estruturar o filme todo. Houveram anos de trabalho, investigação, escrita e pesquisa, mas, quando houve o convite para a festa, realmente todo o roteiro também foi transformado", relembra Eryk afirmando que toda a pesquisa ainda está ali, mas não da forma que imaginavam no princípio.

O diretor Eryk Rocha. Foto: arquivo pessoal

A festa Reahu é um ritual funerário e a mais importante cerimônia dos Yanomami, grupo que habita o Watorikɨ, no Amazonas, onde vive Davi Kopenawa e sua família naquele que é o maior território indígena do Brasil, oficialmente reconhecido pelo governo brasileiro em 1992 graças à incansável luta de Davi pelos direitos do seu povo. O Reahu, ocasião na qual o filme foi filmado, reúne centenas de parentes do morto com a finalidade de apagar todos os rastros daquele que se foi e assim colocá-lo em esquecimento.

Recepção na Europa

A partir de três eixos fundamentais do livro - Convite, Diagnóstico e Alerta - o filme apresenta a cosmologia do povo Yanomami, o mundo dos espíritos xapiri, o trabalho dos xamãs para segurar o céu e curar o mundo das doenças produzidas pelos não-indígenas, o garimpo ilegal e o cerco promovido pelo povo da mercadoria. O teor de denúncia do documentário e a importância de rodar o filme na Europa é comentado por Gabriela Carneiro da Cunha

"Sempre tivemos esse desejo de fazer também um filme sobre nós, sobre nós não indígenas, e também sobre eles, os europeus. O Davi, inclusive, nomeia no filme Genebra, China, Europa, Portugal, ele faz esse enfrentamento com a história e com o momento atual do neoliberalismo, com o geopolítico do mundo. A Europa não é só um espectador do filme. A Europa é um personagem do filme", pontua a cineasta e ativista ambiental.

"O filme tem uma coisa que foi uma preocupação nossa, que não é um filme só sobre os Yanomami, é um filme com os Yanomami. Sobre o momento do mundo e a história anterior também, o que nos traz até esse momento e o que está por vir", diz a diretora, destacando a influência dos napë pë (os não-indígenas, brancos) nas questões humanitárias, climáticas e ambientais que impactam na Amazônia.

Gabriela Carneiro da Cunha. Foto: arquivo pessoal

Os diretores contam que o filme teve a participação de uma equipe híbrida de yanomamis e não-indígenas durante o processo de filmagem, na qual cineastas Yanomami integraram a equipe de fotografia, som e produção do filme. Durante as filmagens do longa, foram também rodados 3 curtas metragens posteriormente elaborados em uma oficina de montagem que compõe um projeto de formação audiovisual para jovens Yanomami.

Em Portugal, A Queda do Céu já foi projetado também em Lisboa, mais precisamente no festival DocLisboa, no último mês de outubro. Agora, segue para o festival em Faro, onde será exibido no Cineclube do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), da cidade algarvia. Para Eryk, o filme é uma oportunidade para quebrar uma passividade em relação à realidade da Amazônia e dos povos nativos que lá habitam.

"É difícil para um europeu, um português, um europeu, assistir um filme de uma forma somente passiva e analítica de fora. É evidente que o propósito do filme é uma proposta de romper essa passividade. Mas ao mesmo tempo que traz uma gravidade e uma revisão crítica da própria história o filme também apresenta esse convite para o mundo dos sonhos, dos espíritos. Estamos muito felizes que ele rode por aí", finaliza. A projeção de A Queda do Céu no Ciclo d’Outra Maneira está marcada para 14 de novembro.

Prêmios e Festivais de A Queda do Céu

- Melhor Longa Metragem Documentário Internacional no 27º Festival Internacional de Cinema de Guanajuato GIFF 2024 (México)

- Prêmio Especial do Júri no DMZ Docs 2024 (Coreia do Sul)

- Prêmio de Melhor Som e Melhor Direção de Documentário no Festival do Rio (Brasil)

- Festival de Cannes 2024 - Quinzaine de Cinéastes (França) - Estreia Mundial

- Festival do Rio 2024 - Estreia Brasileira

- Doc Lisboa 2024 (Portugal)

- Ji.Halva International Documentary Film Festival 2024 (República Tcheca)

- L'alternativa Festival de Cinema Independent de Barcelona (Espanha)

- FIDBA - International Documentary Film Festival Buenos Aires 2024 (Argentina)

- MIDBO - Mostra Internacional Documental de Bogotá (Colombia)

- 28º Festival de Cine de Lima 2024 (Peru)

- Festival Biarritz Amérique Latine 2024 (França)

- Fórum DocBH - 28º Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo Horizonte (Brasil)

- AFI Latin American Film Festival 2024 (EUA)

- Melbourne International Film Festival 2024 (Australia)

- DokuFest, International Documentary and Short Film Festival 2024 (Kosovo)

- Hawaii International Film Festival 2024 (EUA)

- 4º Citronela Doc - Festival de Documentários de Ilhabela (Brasil)

- 34 Films From The South 2024 (Norway)

- FICA - Festival Internacional de Cinema Ambiental de Garopaba 2024 (Brasil)

- Brésil en Mouvements 2024 - Documentary Film Festival (França)

- Festival La Manufacture d’Idées 2024 (França)

nuno.tibirica@dn.pt

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