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Crônica: Adeus, Lisboa
Região de Alfama, no coração de Lisboa. Foto: Carlos Manuel Martins

Crônica: Adeus, Lisboa

"Cá estamos nós, pobres mortais, a observar o espetáculo. E não falo do ruído e das músicas que sempre ecoaram pela cidade. Falo de outro tipo de movimento, mais silencioso, porém muito mais impactante: os despejos."

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por DN Brasil

Texto: Diogo Batalha

Acompanhado do prazo de entrega do texto para o DN Brasil, fui ao café mais próximo de casa e sentei para tentar dar alguma forma as palavras. Comecei então a pensar em qual aspecto da cultura portuguesa eu poderia dividir aqui.

Pensei que, talvez, eu pudesse falar sobre o Português mais esperto que já existiu: Dom João VI. E não sou eu quem diz isso. É a história. Afinal, até Napoleão deixou claro que o rei de Portugal foi o único capaz de enganá-lo.

Só para dar o contexto histórico: Dom João VI estava entre a cruz e a espada. Ou melhor, entre a baguete e o fish’n’chips. De um lado, a França queria forçar um bloqueio comercial contra a Inglaterra. Do outro lado, a Inglaterra, sua aliada histórica.

Como o rei saiu dessa sinuca de bico? Bem… ele fez valer a aliança com a Inglaterra, meteu esposa, concubina, periquito, papagaio e tudo mais o que pudesse num barco. Zarpou e deixou Napoleão (e o povo português) a ver navios. Literalmente.

Comecei então a imaginar como seria uma coluna de jornal de um cidadão do Rio de Janeiro ao ver desembarcar o rei e toda a sua corte. Como ele relataria aquela mudança da capital para o Brasil?

“Rio de Janeiro, 1808 — Cá estamos nós, pobres mortais, a observar o espetáculo. E não falo do ruído e das músicas que sempre ecoaram pela cidade. Falo de outro tipo de movimento, mais silencioso, porém muito mais impactante: os despejos.

São milhares de famílias que foram sumariamente expulsas de casa para dar lugar à nobreza europeia. Como se já não bastasse as agruras do cotidiano, agora temos de enfrentar o jugo de quem decidiu que nossas casas são boas demais para nós.

Nosso lar, outrora simples, hoje se vê transformado em palco de imposições. As casas, antes ocupadas por pessoas humildes - e de lá retiradas - agora ostentam um fatídico "PR" escrito nas portas.

Ah, esse símbolo, que dizem significar Príncipe Regente, aqui no nosso canto, já ganhou novo significado: Ponham-se na Rua.”

Satisfeito com a minha ideia de texto, finalmente toquei no café - que a esta altura já estava frio de tanto esperar. Comecei a olhar em volta o bairro onde vivo. No jornal do senhor na mesa ao lado, a manchete informa sobre a crise da habitação que existe em Lisboa.

Só para dar o contexto atual: diz o RNAL que são, em Portugal, 114.334 casas que servem como Alojamento Local. O movimento Referendo Pela Habitação fala que, em alguns bairros do centro histórico, 60% das casas são destinadas para os turistas.

Onde vivo, pude notar bem a subida de preços em relação ao ano em que cheguei em Portugal, em 2015. Era possível ter um apartamento com um quarto por 350 euros, com as contas de água e energia inclusas. Hoje em dia, por este preço, não encontramos sequer um quarto e um apartamento passa facilmente dos 900 euros.

Houve um aumento de 69% no valor das moradias. Já o salário mínimo era de 505 euros e hoje está nos 820 euros. Nunca fui bom em matemática, mas esta conta não fecha muito bem.

É possível notar, por todos os lados, as muitas placas em acrílico transparente onde está, em letras garrafais, um “AL” em azul escuro. Mas nota-se mais: que ali, onde esta placa se faz presente, é o sinal da ausência de um vizinho.

Já ouvi pelas ruas do bairro a piada que “em breve vão colocar os turistas para marchar nas tradicionais Marchas de Lisboa”, dada a falta de habitantes nos centros históricos da cidade. A verdade é que, enquanto ainda se debate se devem ou não regular - ou até abolir - os alojamentos locais num futuro próximo, muitas vidas foram alteradas, hoje.

Decidi então mudar o meu texto.

Se calhar, ele deveria ser mais assim:

Lisboa, 2024 — Cá estamos nós, pobres mortais, a observar o espetáculo. E não falo do ruído e das músicas que sempre ecoaram pela cidade. Falo de outro tipo de movimento, mais silencioso, porém muito mais impactante: os despejos.

São milhares de famílias que foram sumariamente expulsas de casa para dar lugar à nobreza europeia. Como se já não bastasse as agruras do cotidiano, agora temos de enfrentar o jugo de quem decidiu que nossas casas são boas demais para nós.

Nosso lar, outrora simples, hoje se vê transformado em palco de imposições. As casas, antes ocupadas por pessoas humildes - e de lá retiradas - agora ostentam o fatídico "AL" escrito nas portas.

Ah, esse símbolo, que dizem significar Alojamento Local, aqui no nosso canto, já ganhou novo significado: Adeus, Lisboa.

Diogo Batalha é redator há quase duas décadas (e desde 2015 vive em Portugal). É aracajuano desde que nasceu e detesta que não saibam onde Aracaju fica no mapa. Pai de uma pequena portuguesa, tenta achar palavras para explicar até mesmo o que ainda não consegue compreender. 

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