Como se sente em voltar a fazer um show em Lisboa?É sempre uma alegria voltar a Lisboa. Eu tenho um carinho muito grande por Portugal e pelo público português, que sempre me acolheu com tanto amor desde os meus primeiros shows na Europa. Existe uma conexão afetiva, porque sinto que há uma identificação com essa energia calorosa, com essa musicalidade que vem da Bahia, que tem muito do Atlântico, muito do encontro entre África, Europa e Brasil. Lisboa é um desses lugares onde essa mistura pulsa, e isso me emociona.Qual será o estilo do repertório? Um mix de clássicos e novas músicas?Sim, o show traz um pouco de tudo que compõe a minha trajetória. Eu gosto de revisitar os clássicos, como “Elegibô”, “Alegria da Cidade”, “Faraó”, “Dandalunda”, porque essas músicas carregam memórias muito importantes, tanto minhas quanto do público. Mas também trago músicas mais recentes, que dialogam com o meu momento atual, com novas sonoridades e reflexões. Gosto de apresentar releituras de artistas que me inspiram, como Gil, Caetano, João Donato, Os Tincoãs, Roberto Mendes. É um repertório que tem uma pegada forte, dançante, solar, mas também momentos de introspecção e ancestralidade.Recentemente esteve no Porto e foi um grande sucesso, como foi este momento?O show no Porto foi lindo! A Casa da Música é um espaço maravilhoso, e a energia do público foi algo que me tocou profundamente. Eu sempre digo que quando as pessoas vão a um show, elas estão oferecendo o tempo delas, e isso é algo muito precioso. Então eu retribuo com tudo de mim. Foi um reencontro bonito com o público português, uma celebração da música afro-brasileira, da nossa cultura e da alegria de estar viva, criando e cantando depois de tantos anos de estrada. Saí de lá com o coração cheio de gratidão.Você também é uma presença constante em festivais portugueses, como o Músicas do Mundo. Como vê estes grandes festivais, em especial os que fazem esta conexão musical CPLP?Eu vejo esses festivais como pontes fundamentais. A música é uma linguagem universal, e esses encontros entre países de língua portuguesa fortalecem laços culturais que vêm de séculos. O Músicas do Mundo, por exemplo, que participei no ano passado, tem um papel lindíssimo em mostrar a diversidade dos nossos sons, das nossas histórias. Brasil, Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, Portugal — todos trazem expressões que nasceram da mistura, da resistência e da criatividade. E quando estamos juntos nesses espaços, percebemos que nossas diferenças se tornam beleza, e que o Atlântico, que um dia foi dor, hoje também é caminho de reencontros.Clique aqui e siga o canal do DN Brasil no WhatsApp!Quais artistas portugueses mais gosta?Eu tenho grande admiração por nomes como Cesária Évora — que, embora caboverdiana, tem uma ligação muito forte com Portugal —, Mariza, Sara Tavares, António Zambujo, e também por artistas mais contemporâneos que vêm experimentando fusões entre o tradicional e o moderno. Tive o prazer de gravar com Luís Represas no meu álbum Naturalmente Acústico, uma parceria muito bonita na música Um Caso a Mais. E admiro também o talento da violinista e cantora portuguesa Noa, uma artista sensível e criativa, que representa muito bem essa nova geração da música em Portugal. Eu gosto muito quando a música portuguesa se abre para o diálogo com o mundo, porque é aí que ela se encontra com o Afropop, com o samba, com o ijexá, com essa energia que transcende fronteiras.Você celebra décadas de carreira — quais momentos considera os mais transformadores até hoje?Olha, são 38 anos de estrada, e cada fase tem sua importância. Sem dúvida, o início foi transformador — cantar Uma História de Ifá e ver essa música chegar ao primeiro lugar das rádios de World Music nos Estados Unidos, trabalhar com David Byrne, tudo isso abriu um novo horizonte. Outro momento marcante foi quando percebi que o termo “Afropop Brasileiro” se tornava uma identidade, uma bandeira de valorização das nossas raízes africanas dentro da música contemporânea. E agora, com a experiência como ministra, é outro tipo de aprendizado — ver a cultura de dentro da estrutura do Estado e lutar para que ela chegue a todos os cantos do Brasil.Como você vê o papel do Axé, do Afropop e de outras influências africanas na sua música atualmente?Esses ritmos são a base de tudo. O samba-reggae, o ijexá, o afropop, o axé music — todos esses movimentos carregam uma força ancestral, uma vibração que fala sobre identidade, resistência e celebração. A música afro-brasileira é uma herança viva, ela se renova o tempo todo. E eu procuro, dentro da minha criação, manter essa ponte entre o ancestral e o contemporâneo. Não é só ritmo, é espiritualidade, é filosofia, é modo de estar no mundo. Quando trago um trabalho pro palco, estou evocando uma história que vem lá de trás, mas que ainda pulsa hoje com toda a potência.Hoje morando em Brasília e viajando muito, como a Bahia, sua terra natal, continua influenciando sua arte – musical, visual, espiritual?A Bahia está em mim o tempo todo. Não tem como não estar. É a terra que me fez ser quem sou e isso é indissociável do meu eu enquanto ser humano. Mesmo morando em Brasília e com toda a correria da vida pública, eu carrego essa energia, essa espiritualidade que vem do mar, da energia, da fé e da alegria de viver. A Bahia me ensinou a olhar o mundo com poesia e ritmo. E toda vez que componho ou subo ao palco, é essa Bahia que fala através de mim.Em que medida você acha que a música pode ser transformadora socialmente, especialmente nas comunidades negras ou periferias?A música é uma das ferramentas mais poderosas de transformação. Ela informa, acolhe, conscientiza e empodera. Quando um jovem da periferia se vê representado, quando percebe que sua história pode virar canção, isso muda tudo. A música afro-brasileira sempre foi política — mesmo quando falamos de alegria, estamos falando de resistência. Eu acredito profundamente nesse poder de transformação, porque vivi isso e continuo vendo acontecer nas comunidades, nos blocos afro, nos coletivos culturais. A arte é uma forma de cura, de liberdade e de cidadania.Que ritmos, fusões ou inovações você tem experimentado nos últimos tempos?Por conta do trabalho como ministra eu tenho cantado pouco, é bem verdade, mas busco estar sempre conectada com o que há de novo na música. Estou sempre atenta à nova música da Bahia e do Brasil, esse movimento de artistas como Josyara, Fatel, Luedji Luna, Baiana System.amanda.lima@dn.pt.O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.