Pizzaria recém-inaugarada por brasileiro já é uma das melhores de Lisboa
Gil Guimarães é o responsável pela Baco, considerada uma das melhores pizzarias do Brasil. No mês passado, abriu a Sofi Pizza e Vinho em Lisboa, trazendo o mesmo conceito que o consagrou no cenário gastronômico brasileiro.
Texto: Nuno Tibiriçá
Em meio aos tuk tuks, turistas, festas e despedidas de solteiro no Cais (ou caos) do Sodré, uma pequena casa recém-inaugurada promete levar ainda mais pessoas - especialmente os amantes de pizza - à Travessa dos Remolares, nas imediações da famigerada Pink Street. Inaugurada pelo brasileiro Gil Guimarães, a Sofi Pizza e Vinho tem pouco mais de um mês de vida em Lisboa, mas já oferece tudo que a pode colocar como uma das melhores pizzarias da cidade, atestou o DN Brasil.
O currículo do responsável e chef do estabelecimento é de respeito. Mineiro que cresceu em Brasília, Gil Guimarães foi o responsável pela idealização da Baco Pizzaria na capital federal. Inaugurada há 25 anos, a Baco tornou-se uma das mais conceituadas do Brasil, recebendo diversos prêmios e, posteriormente vindo a ser a primeira pizzaria napolitana certificada no país, através do certificado da Associazione Verace Pizza Napoletana (AVPN, sigla em italiano), que também já certificou a pizza da Sofi.
Apaixonado pela cultura, gastronomia e admirador confesso do que Portugal oferece em um território tão pequeno, Gil tinha há anos o sonho de trazer um pouco da Baco para cá. A pandemia adiou um pouco os planos, mas desde junho deste ano, conseguiu realizar o que havia idealizado anos atrás.
“O Pedro (Ivo de Carvalho), dono do restaurante Jobim, é amigo meu. E ano passado, quando o Jobim completou cinco anos, ele me chamou para vir a Lisboa para a festa. Já tínhamos falado alguns anos atrás sobre essa ideia de abrir uma pizzaria em Lisboa, aí retomamos a partir desse contato e agora estamos aqui. Ele é um dos meus sócios e resolvemos abrir assim uma coisa menor, para sentir o clima, ir testando o produto. Mas a ideia é abrir um outro espaço em breve também”, conta Gil, que escolheu o nome para homenagear a atriz Sophia Loren, ícone de Napoli, onde viveu grande parte da vida.
Diego Maradona, outro que gravou seu nome em território napolitano, também está devidamente contemplado na decoração da casa. O espaço da Sofi Pizza era um bar de seus sócios, o que facilitou o processo, assim como a rápida “fórmula” para acertar a pizza que iriam servir. Segundo Gil, uma pizza napolitana não é apenas uma receita, existe todo um processo para fazer o produto que varia de acordo com fatores como temperatura e umidade. O chef conta que, em média, demora um mês para acertar as pizzas. Aqui, demorou uma semana: estava pronto para abrir.
Com massa fina e borda grossa, como mandam os manuais napolitanos, a pizza da Sofi tem o tamanho perfeito, o suficiente para ficar mais do que bem alimentado, sem se sentir culpado, por devorar uma redonda inteira. Sem deixar de ter um gosto muito presente, com a acidez da fermentação natural e as bordas escuras após a Reação de Maillard (o forno opera a 485 graus), a massa é leve, e, em harmonia com os ingredientes, não se sobressai a ponto de deixar o cliente cheio depois de comer. A menos que coma entrada, mais que uma pizza e ainda sobremesa, como foi o caso deste repórter. Tudo isso harmonizado com alguns dos vinhos biológicos portugueses servidos no estabelecimento.
Nos ingredientes, Gil brinca com algumas misturas entre produtos nacionais e italianos. Uma das principais servidas na casa e motivo de orgulho do chef é a “Marinara Sofi’” (Tomate coração de boi no azeite, flor de sal, alho e óregano; pode adicionar anchovas ou straciatella, €10,5).
“Em uma das viagens aqui em Portugal, pela Costa Vicentina, eu entrei no Mercado Municipal de Sines e vi esses tomates. Cheguei em casa, depois de uns três dias quando estavam madurinhos, coloquei a flor de sal, joguei um azeite e comi. Falei na hora: “isso aqui vai dar uma pizza”. E fiquei esperando quatro anos para fazer essa pizza”, conta o chef que compra a straciatella - que nada mais é do que o recheio da burrata - da Queijaria Ortodoxo, de Setúbal. Da Itália, importa produtos como ricota, grana padano, pomodoro pelado e a mozzarella fior di latte.
Se a Marinara já não era uma pizza qualquer, com liga ideal entre todos ingredientes - com detalhes como orégano fresco e o alho caramelizado no ponto que fazem a diferença - a outra que é considerada xodó do chef surpreendeu ainda mais: a “Pata Negra e Burrata” (Coração de burrata, fior di latte, presunto cru de porco preto de bolota, tomate pelado bio e raspas de limão, €16) é outra pizza da casa que traz o mix que pouco provavelmente daria errado entre Itália e Portugal.
“Tenho uma pizza no Brasil que é a “burrata e parma” e essa é a versão portuguesa dessa pizza, com o presunto de bolota daqui e a burrata maravilhosa da Ortodoxo, que eu fico muito feliz de comprar. Sou fã de produtores locais, no Brasil todas nossas pizzas seguem essa linha”, conta.
No caso da “Pata Negra e Burrata”, mais uma vez são os detalhes que fazem as pizzas da Sofi entrarem forte no ranking das melhores de Lisboa. Nesta, a intensidade do presunto cru, de qualidade admirável, é quebrada pelo adocicado da stracciatella e as raspas de limão que, mesmo sendo apenas um “zest”, fazem toda a diferença no equilíbrio do prato.
No menu da Sofi, constam também pizzas como a clássica Margherita (fior di latte, tomate pelado bio, grana padano e manjericão, €11,50), Verdi (Pesto de pistache, fior di latte, grana padano, ricota, beringela, tomate coração de boi e manjericão), Capricciosa (Fior di latte, cogumelos portobello, alcachofra, presunto, pomodoro tomate pelado bio e manjericão, €15,5) e Gorgonzola com pêra (Fior di latte, tomate pelado bio, gorgonzola, pêra e agrião, €13).
Portugueses e italianos podem ficar irritados com criação
Por fim, há ainda espaço para uma ousadia por parte de Gil, com a qual brinca: “Não sei se os portugueses vão me matar por essa. Ou os italianos. Ou os dois”. A Queijo da Serra da Estrela e Chouriço (Queijo Serra da Estrela, chouriço português picante, tomate coração de boi e crumble de tarte de amêndoas) tem ingredientes com qualidade inquestionável, mas que “matam” parte da massa.
Nem por isso, no entanto, deixa de ser uma das opções favoritas dos turistas que circulam pela região e se deliciam com a mistura, assim como com o bolinho de bacalhau com queijo da serra a poucas quadras da Sofi. Os portugueses costumam escolher por outros sabores, embora, conte Gil, que “90% dos clientes, por enquanto, sejam estrangeiros”.
Passou pela cabeça, mas o chef não deixou a ousadia permitir que o cannoli da sobremesa fosse com o recheio do pastel de nata, algo que, conta, ser sucesso no Brasil. “Não quis mexer nesse vespeiro, já foi suficiente com a pizza de Queijo da Serra”, conta Gil, que no doce escolheu pela tradição italiana, no cannoli com ricota e pistache.
Tendo inaugurado a pizzaria no início de junho, Gil conta querer agora ficar no “lá e cá” entre Brasil e Portugal, voltando à Lisboa pelo menos a cada mês e meio para gerir a Sofi, sem deixar a Baco, seu grande projeto de vida, para trás. Perguntado se havia pensado em criar uma filial da Baco em Portugal, explicou que queria “começar do zero” e a Sofi é só o primeiro passo de um novo desafio.
“Queria começar uma coisa nova. Eu considero que estou começando tudo de novo, depois de 25 anos de muito sucesso, sendo a melhor pizza do Brasil por duas vezes, 21 vezes a melhor de Brasília, 17º lugar na América Latina… enfim, vários prêmios. E há 25 anos comecei num lugar até menor que esse e agora quero criar uma nova história, seguir esse desafio. E quero expandir: abri agora a primeira, testei o produto, parece que tá indo bem, e a partir de setembro, quero ver para onde vai seguir o projeto. Possivelmente, para uma casa um pouco maior”, finaliza o chef.
nuno.tibirica@dn.pt