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Crônica: o que trazemos na bagagem
Arrumar as malas é algo que todo imigrante já fez. Foto: Reinaldo Rodrigues / Global Imagens

Crônica: o que trazemos na bagagem

"Sempre queremos um equipamento maior para levar os afetos conosco. Como redimensionar a vida para 23Kg? É necessário um despojar-se".

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por DN Brasil

Texto: Cristina Fontanelle

O que você leva na mala quando vai viajar? E quando esta viagem é uma mudança para outro país? Há que se afinar o senso do que é essencial, uma vez que a bagagem é limitada. É quase como uma decisão de tudo ou nada porque, depois que se cruza o Atlântico, não se sabe quando será viável o próximo retorno ao nosso país.

Ao fazer as malas, já percebemos que não há espaço suficiente para as ferramentas necessárias na adaptação à outra cultura, tampouco há vestes prontas para percorrer os novos caminhos que se apresentarão. E sempre queremos um equipamento maior para levar os afetos conosco. Como redimensionar a vida para 23Kg? É necessário um despojar-se.

Há seis anos, quando vim de Fortaleza para Lisboa, deixei para trás livros, roupas coloridas, uma coleção de pratos decorativos de outros países, álbuns de fotografias, roupas de cama, CDs (sim, tinha vários) e todo um arsenal de móveis, panelas e eletrodomésticos. 

Fiz caber na mala documentos, remédios, um enxoval mínimo e um cabedal de sonhos, dobrado junto com medos, promessas, curiosidade e adrenalina. Na pesagem, eram poucos gramas de vários ingredientes que iriam compor a receita de uma vida nova, regada com muita expectativa e incerteza.

Não couberam na mala a saudade, o amado pão de coco, os cafés com a família, as cartinhas dos amigos, o quadro da formatura, o feijão verde, a cuscuzeira. Com urgência, destinei meus pertences de acordo com o perfil de cada amigo ou familiar. Uns ganharam plantas, outros livros, presenteei com quadros e muitas vasilhas tupperware. Eu me distribuí em uma rede de afinidades e lembranças.

O pouco que restou ficou contido em uma caixa de papelão no sótão da minha tia. Ainda está lá e, quando preciso revisar nas idas ao Brasil, a nostalgia me domina. Até chegar neste ponto - o passado em apenas uma caixa - foi preciso reduzir, desapegar, esquecer. Embora não tenha sido a primeira vez que atravessei uma mudança de território, quando olhamos o concreto virar abstrato e nosso histórico se medir em quilos, altura x largura x profundidade, sempre vem um espanto e um misto de reflexões. 

Minha prima me confessou outro dia que, quando falam em desapego, eu apareço logo como referência. Achei curioso e ao mesmo tempo fiquei pensativa. Já presenciei algumas vezes a vida condensada em poucas sacolas - a minha e a de pessoas queridas que já se foram. Tal situação desperta em nós uma sensação de pequenez e humildade.

Uma amiga da área da beleza disse que, há vinte anos, quando veio para Portugal trouxe 1 mochila nas costas, 4 esmaltes, 1 alicate de unhas e algumas roupas “de igreja” para trabalhar no projeto pelo qual migrou. Itens que disputaram o espaço apertado com a coragem, a resignação e a tal da saudade. 

No Brasil, ficaram os 3 filhos e quase o coração inteiro dela. Passadas duas décadas, essa amiga já conseguiu reunir parte da família. Trabalha junto aos dois filhos e à irmã no próprio negócio de estética. A terceira filha os visita com regularidade, aplacando distâncias. A união familiar tem sido um diferencial refletido em clientela e autorrealização. 

Essa amiga me confidenciou que a bagagem da vinda não foi suficiente para cobrir os desafios em terras portuguesas. Foi preciso extrair a bagagem invisível dentro de si, aquela que não cabe na esteira do aeroporto. Explicou que quando se tem um conhecido no outro país, ou quando se emigra com família ou amigos é mais fácil. “Se tudo der errado, estamos juntos. Se tudo der certo, estamos juntos”. Eu sorri lembrando com meus botões que as experiências são mesmo muito diversas, nem sempre estamos ou ficamos juntos…

Na mala de mão, ela ainda carrega consigo os itens que se tornaram indispensáveis para toda e qualquer viagem, independente de duração ou distância. Mostra orgulhosa os bens valiosos que acumulou na chegada a Portugal - um bocado de determinação e várias doses de bom humor.

Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.

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